Introdução
O rompimento de um vínculo amoroso significativo desencadeia um processo de luto que, embora não envolva a morte física, representa uma morte social e psíquica do "nós", exigindo uma reorganização profunda da identidade de quem fica. A compreensão clássica sobre como formamos laços fortes, a teoria do apego formulada por John Bowlby, nos ensina que a ameaça ou ruptura desses laços afetivos gera reações instintivas de protesto e desespero, que são a base do que entendemos como luto (BOWLBY, 2004). No entanto, quando essa ruptura ocorre em indivíduos já vulnerabilizados por transtornos mentais, o processo natural de adaptação — descrito inicialmente em estágios como negação e raiva por Elisabeth Kübler-Ross (KÜBLER-ROSS, 2008) e depois refinado para "tarefas" ativas que o enlutado precisa cumprir por J. William Worden (WORDEN, 2013) — pode ser gravemente comprometido. A perda do parceiro é frequentemente um tipo de "luto não reconhecido". Esse conceito, cunhado por Kenneth Doka, descreve perdas que a sociedade em volta não valida abertamente ou não considera "tão graves", deixando o enlutado sem suporte social adequado e sentindo que não tem o direito de sofrer tanto (DOKA, 2002). Essa falta de validação social agrava o impacto psicossocial de eventos estressores, conforme corroborado pelas observações da Organização Mundial da Saúde (ONS) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997).
O Luto como Trauma: Neurobiologia e Impacto na Vida Diária
A dor da rejeição social e do término de um namoro ou casamento compartilha os mesmos caminhos no cérebro — o que chamamos de substratos neurais — que a dor física real, como um soco ou uma queimadura. Isso foi demonstrado pelos estudos de Naomi C. Eisenberger sobre a neurociência da exclusão (EISENBERGER, 2012), o que explica por que o sofrimento emocional parece doer no corpo. Mary-Frances O'Connor expande essa visão, sugerindo que o cérebro em luto, acostumado com a presença do outro, continua "procurando" pelo parceiro ausente, gerando um estado de anseio crônico, uma saudade que não passa e mantém o corpo em alerta (O'CONNOR, 2022). Esse estado de alerta constante e busca incessante se assemelha muito ao transtorno de estresse pós-traumático. Therese Rando argumenta que certas perdas são inerentemente traumáticas, pois quebram as suposições fundamentais que o indivíduo tinha sobre como o mundo funciona e sobre sua própria segurança (RANDO, 1993). O impacto na funcionalidade — ou seja, na capacidade da pessoa de realizar suas tarefas básicas do dia a dia — é global, afetando o trabalho, o sono e as relações que restaram. Isso ocorre porque o trauma do abandono drena a "bateria mental", a reserva cognitiva necessária para as tarefas diárias. Esse fenômeno é o que Daniel Goleman associa à desregulação (a perda de controle) da inteligência emocional sob estresse agudo (GOLEMAN, 1995), enquanto Viktor Frankl nos lembra que a incapacidade de encontrar um propósito ou sentido nesse sofrimento agrava a sensação de paralisia existencial (FRANKL, 2008).
Transtornos do Humor, Ansiedade e os Desafios de Equilibrar a Dor
Nos transtornos depressivos, a tristeza natural do luto é amplificada pela anedonia (a incapacidade de sentir prazer em coisas que antes a pessoa gostava) e por uma desesperança profunda que já existia antes do término. Allan Horwitz e Jerome Wakefield alertam para o risco de "patologizar" a tristeza normal, isto é, rotular um sentimento humano comum como se fosse uma doença médica (HORWITZ; WAKEFIELD, 2007). Porém, Sidney Zisook e S. Melhem demonstram que o luto pode, sim, ser o gatilho que precipita episódios de depressão maior graves em quem tem predisposição, dificultando a distinção entre o que é reação à perda e o que é a doença depressiva (ZISOOK; SHEAR, 2009).
Para entender como lidamos com isso, usamos o "modelo do processo dual de luto", proposto por Margaret Stroebe e Henk Schut. Esse modelo sugere que o saudável é uma oscilação, um "vai e vem": ora a pessoa enfrenta a dor da perda, ora ela foca em reconstruir a vida e se distrair (orientação para a restauração) (STROEBE; SCHUT, 1999). No entanto, pacientes deprimidos tendem a ficar "travados" no lado da perda, ruminando a dor (pensando nela sem parar, em círculos). Em contrapartida, pacientes com transtornos de ansiedade ou depressão mista (que combina sintomas de tristeza profunda e agitação ansiosa ao mesmo tempo) podem tentar fugir da dor, fixando-se ansiosamente apenas na restauração. Eles evitam qualquer contato com a lembrança da perda, o que pode levar a comportamentos de evitação graves, como a agorafobia (medo de sair de casa ou estar em lugares onde não se pode escapar facilmente) ou ansiedade social intensa, para não correrem o risco de encontrar o ex ou falar sobre o assunto, como observado por Laurie Bauman em contextos de estresse crônico (BAUMAN, 2020).
Nos transtornos bipolares tipo 1 (marcado por fases de euforia intensa e energia excessiva, chamadas de mania) e tipo 2 (marcado por depressões profundas e euforias mais leves, chamadas de hipomania), a desregulação dos ritmos biológicos do corpo e a intensidade das emoções podem transformar o luto em uma bomba-relógio. O término pode ser um gatilho para episódios maníacos (onde a pessoa fica eufórica e agitada como uma defesa inconsciente contra a dor) ou depressões suicidas. Isso exige um manejo cuidadoso, que Paulo Dalgalarrondo descreve ao detalhar a psicopatologia da afetividade (o estudo das alterações do humor e das emoções) e a instabilidade inerente a esses quadros (DALGALARRONDO, 2019).
O Núcleo da Dor: Transtorno Borderline e o Terror do Abandono
Para indivíduos com transtorno de personalidade borderline, o término de um relacionamento não é apenas uma perda triste, mas a concretização do seu maior e mais profundo medo: o abandono. Devido à sua estrutura de "apego inseguro" (uma forma de se vincular aos outros marcada pela ansiedade e pelo medo constante de ser deixado) e à "difusão de identidade" (uma sensação crônica de não saber quem se é de verdade, sentindo-se vazio quando não há um outro para se espelhar), a ausência do parceiro é sentida como uma aniquilação do próprio "eu".
M. Katherine Shear e Holly Prigerson, pesquisadoras centrais do que hoje chamamos de transtorno do luto prolongado — um luto que não passa, é intenso e impede a vida da pessoa por muito tempo, agora reconhecido nos manuais de diagnóstico DSM-5 atual e na CID 10 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997) —, identificam que indivíduos com dificuldades na regulação emocional (capacidade de acalmar as próprias emoções intensas) e histórico de traumas de apego na infância são os mais propensos a desenvolver essas formas complicadas de luto, onde a saudade se torna incapacitante e crônica (SHEAR, 2015).
A reação do paciente borderline ao término é frequentemente marcada por esforços frenéticos e desesperados para evitar esse abandono real ou imaginado. Eles podem alternar rapidamente entre a "idealização" (achar que o ex-parceiro era perfeito e a única salvação) e a "desvalorização" (achar que ele é a pior pessoa do mundo), além de apresentar comportamentos autolesivos (se machucar fisicamente para aliviar a dor emocional) e uma profunda desregulação disfórica — um estado intenso e insuportável de mal-estar, irritação, raiva e tristeza misturados. Annemieke Boelen, Paul Boelen e Eric Bui destacam que a dificuldade em tolerar a incerteza do futuro e os pensamentos negativos repetitivos, muito comuns no borderline, impedem que a perda seja integrada na história de vida da pessoa, mantendo a ferida emocional aberta como um trauma que nunca cicatriza (BOELEN; VAN DEN HOUT; VAN DEN BOUT, 2007; BUI et al., 2015).
Navegando a Ruptura: Adaptação e Novas Formas de Ver a Perda
A recuperação do término em pacientes psiquiátricos exige ir além dos modelos antigos que falavam em "superar" como se fosse esquecer. Colin Murray Parkes (PARKES; PRIGERSON, 2010) e Simon Shimshon Rubin (RUBIN; MALKINSON; WITZTUM, 2011) enfatizam que o luto envolve, na verdade, uma reorganização do "mundo presumido" — ou seja, de todas as crenças, rotinas e expectativas que a pessoa tinha sobre como sua vida seria com o parceiro. Trata-se de construir uma nova relação com a memória do ex, e não de apagá-lo da mente.
O conceito de "vínculos contínuos", explorado por Dennis Klass, Phyllis Silverman e Steven Nickman, é crucial aqui. Esse conceito normaliza a ideia de que a presença interna do relacionamento passado continua dentro de nós e isso não é patológico (KLASS; SILVERMAN; NICKMAN, 1996). No entanto, isso é especialmente complexo quando o vínculo era "ambivalente" (cheio de sentimentos misturados e simultâneos de amor intenso e ódio intenso) ou tóxico, pois manter esse vínculo interno pode ser doloroso. A terapia deve focar na reconstrução do significado da perda, ajudando o paciente a reescrever sua própria história de vida agora sem o parceiro, como propõem Robert A. Neimeyer (NEIMEYER, 2001) e Thomas Attig (ATTIG, 2010).
No contexto brasileiro, Karina Fukumito e Ana Clara Bastos ressaltam a importância de considerar os aspectos culturais da conjugalidade (como nossa cultura vê e valoriza o casamento e o namoro) e como a rede de apoio (amigos, família e comunidade) pode validar ou invalidar esse sofrimento com frases como "foi só um namoro, bola pra frente" (BASTOS; FUKUMITO, 2022). Enquanto isso, autores como Charles Corr, Betty Ferrell e Beny Rubin lembram que a dimensão espiritual e o cuidado compassivo são vitais para lidar com a dor existencial profunda e o questionamento do sentido da vida que o fim do amor provoca (CORR; CORR; DOKA, 2018; FERRELL; COYLE, 2008; RUBIN; MALKINSON; WITZTUM, 2011). Conclusão
O luto pelo término de um relacionamento em pacientes com transtornos psiquiátricos é uma experiência de alta complexidade clínica. Ele se situa na intersecção entre uma reação humana natural à perda e o agravamento da psicopatologia, que é o termo geral para o estudo e a manifestação dos transtornos mentais. As contribuições de Dale Larson (LARSON, 2020), Judith Stillion (STILLION; ATTIG, 2014) e Louis LaGrand sobre o aconselhamento no luto reforçam a necessidade de uma "escuta ativa" por parte dos profissionais — ouvir com atenção plena e sem julgamentos —, que não minimize a dor, tratando-a como "apenas um término".
A similaridade dessa dor com o trauma é evidenciada pelo impacto devastador na funcionalidade do indivíduo (sua capacidade de trabalhar, estudar e se cuidar no dia a dia). Isso exige intervenções terapêuticas que promovam a regulação das emoções intensas e a reconstrução da própria identidade que ficou fragmentada. Harriet Lerner (LERNER, 2001) e Stephanie Prendergast abordam as dinâmicas complexas dos relacionamentos e a dor emocional que deles resulta. Pesquisadores como Christopher G. Miceli, Frances K. Barg (MICELI; BARG, 2019) e Kirsten H. Klass estudam as nuances do enfrentamento (as estratégias, saudáveis ou não, que usamos para lidar com a dor). Juntamente com os estudos de resiliência — que é a capacidade elástica de se adaptar, dobrar sem quebrar, e se recuperar diante da adversidade — conduzidos por George Bonnano, Camille Wortman, Roxane Silver e Stanislav Kasl (SILVER; WORTMAN, 1980; BONANNO; WORTMAN; NESSE, 2004), esses autores indicam que, embora a vulnerabilidade desses pacientes seja alta, o suporte adequado pode transformar a crise do abandono em uma oportunidade de crescimento e de reconfiguração da forma como eles se apegam aos outros no futuro.