O TDAH em Adultos (CID-11: 6A05)

Uma Análise Aprofundada sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade

Por Suzane Martins Brancaglioni, CRP 06/136222

18/09/2025 às 01:16, atualizado em 19/09/2025 às 19:50

Tempo de leitura: 7m

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento que persiste da infância até a vida adulta. Longe de ser um problema de falta de vontade ou preguiça, o TDAH é uma condição neurobiológica que afeta a capacidade de uma pessoa regular a atenção, o foco, a impulsividade e a hiperatividade. Seus sintomas, que podem ser menos óbvios na vida adulta, impactam profundamente a vida pessoal, profissional e social do indivíduo, mas, com o diagnóstico e o tratamento corretos, é possível gerenciar a condição com sucesso.

1. O Que é o TDAH em Adultos?

O TDAH é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento do indivíduo. Embora a condição comece na infância, seus sintomas podem mudar a forma como se manifestam na vida adulta. A falta de atenção, por exemplo, pode não ser percebida como um problema escolar, mas sim como a dificuldade em manter o foco em reuniões de trabalho ou em concluir tarefas domésticas.

  • Critérios Diagnósticos (CID-11 e DSM-5):
    • Desatenção: Dificuldade em manter a atenção em tarefas, parece não ouvir, não segue instruções, tem dificuldade de organização e de planejamento, é facilmente distraído, e esquece de compromissos ou de objetos do dia a dia.
    • Hiperatividade e Impulsividade: Inquietação, dificuldade em permanecer sentado, fala excessiva, interrompe os outros, age sem pensar e tem dificuldade de esperar a sua vez.

É importante ressaltar que, para que o diagnóstico seja confirmado, os sintomas devem ter começado antes dos 12 anos de idade, e devem causar prejuízo em pelo menos duas áreas da vida (por exemplo, no trabalho e nos relacionamentos).

2. O Surgimento do Diagnóstico em Adultos

Apesar de o TDAH ser um transtorno do neurodesenvolvimento, o diagnóstico em adultos se tornou mais comum e visível apenas nas últimas décadas. Essa mudança de cenário não reflete um "surgimento" da condição, mas sim uma combinação de fatores que permitiram que o transtorno fosse finalmente reconhecido.

Imagem do artigo: O TDAH em Adultos (CID-11: 6A05)
  • Maior Conscientização Pública e Profissional: A popularização da internet e das redes sociais permitiu que adultos que se identificam com as experiências de outras pessoas com TDAH procurassem ajuda profissional. O acesso fácil a informações de qualidade de organizações de saúde e a relatos pessoais tem reduzido o estigma e encorajado a busca por diagnóstico.
  • Melhores Ferramentas de Diagnóstico: Os critérios diagnósticos para adultos, que focam em como a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade se manifestam em um contexto profissional e social, são mais precisos do que os usados para crianças. A pesquisa mostrou que, enquanto a hiperatividade física pode diminuir na vida adulta, a inquietude interna e a impulsividade persistem.
  • Acesso à Informação: A disseminação de informações confiáveis sobre o TDAH, provenientes de órgãos como a Associação Americana de Psiquiatria (APA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), educou não apenas a população, mas também os profissionais de saúde.

3. Como o TDAH se Manifesta em Adultos?

Os sintomas do TDAH em adultos são frequentemente menos óbvios do que na infância. A hiperatividade física tende a diminuir, mas a inquietação interna permanece.

  • Dificuldades com Funções Executivas: Esta é uma das manifestações mais comuns do TDAH em adultos.
    • Desorganização: Dificuldade em manter o ambiente de trabalho e a casa organizados.
    • Problemas com Gestão de Tempo: Dificuldade em estimar o tempo necessário para as tarefas, resultando em procrastinação e atrasos crônicos.
    • Dificuldade de Planejamento: Falta de habilidade em planejar projetos ou eventos de forma sequencial e lógica.
  • Desatenção Persistente:
    • Foco em Tarefas Monótonas: A pessoa tem dificuldade em manter a atenção em tarefas que não são de seu interesse, como preencher formulários ou participar de reuniões longas.
    • Esquecimento: Perder chaves, documentos ou esquecer compromissos importantes.
    • Distração Fácil: Ser facilmente distraído por estímulos externos ou por pensamentos internos.
    • Inquietação Interna: A inquietação física da infância se transforma em uma sensação interna de não conseguir relaxar.
  • Desregulação Emocional: A pessoa pode ter dificuldade em controlar as emoções, com raiva intensa, baixa tolerância à frustração e oscilações de humor.

4. Causas do TDAH em Adultos: A Base Neurobiológica

O TDAH é um transtorno com uma forte base neurobiológica e genética. Ele não é causado por má criação, falta de disciplina ou preguiça.

  • Fatores Genéticos: Estudos com gêmeos e famílias mostram que a hereditariedade é um dos fatores mais significativos, com o risco de TDAH sendo muito maior em parentes de primeiro grau.
  • Fatores Neurobiológicos: A pesquisa de neuroimagem identificou diferenças no cérebro de pessoas com TDAH, como a disfunção em áreas importantes para a atenção e o controle de impulsos.
    • Córtex Pré-frontal: Esta área do cérebro, responsável pelas funções executivas (planejamento, tomada de decisão), mostra uma atividade reduzida em pessoas com TDAH.
    • Neurotransmissores: O TDAH está ligado a um desequilíbrio na produção e na regulação da dopamina e da noradrenalina. A dopamina é crucial para o sistema de recompensa e motivação, o que explica por que pessoas com TDAH têm dificuldade em manter o foco em tarefas que não lhes interessam.

5. Comorbidades e o Impacto na Vida do Adulto

É raro que o TDAH exista sozinho. Ele frequentemente coexiste com outros transtornos, o que pode mascarar o diagnóstico inicial.

  • Comorbidades Comuns: O TDAH em adultos está frequentemente associado a:
    • Transtornos de Ansiedade: A constante sensação de falha, o medo de esquecer algo importante e a dificuldade em se organizar podem levar a um quadro de ansiedade generalizada.
    • Transtornos de Humor: A baixa autoestima e a dificuldade em manter empregos e relacionamentos podem resultar em quadros de depressão.
    • Transtornos por Uso de Substâncias: O abuso de álcool e drogas pode ser uma forma de automedicação para lidar com a ansiedade, a impulsividade ou o tédio.
  • Impacto na Vida: O TDAH pode afetar todas as áreas da vida adulta, incluindo:
    • Profissional: Dificuldade em manter um emprego, problemas de desempenho e relações conflituosas com superiores.
    • Relacionamentos: Dificuldade em ouvir, esquecimento de datas importantes, impulsividade nas discussões e dificuldade em manter a organização da casa.
    • Finanças: Dificuldade em planejar gastos, compras por impulso e problemas de endividamento.

6. Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico de TDAH em adultos é complexo e requer uma avaliação completa. O tratamento é uma combinação de terapia e medicação.

  • Diagnóstico: O diagnóstico é feito por um psiquiatra ou neurologista e inclui uma entrevista clínica detalhada sobre a história de vida do paciente, seus sintomas na infância e na vida adulta. Questionários e testes neuropsicológicos podem ser usados para complementar a avaliação.
  • Tratamento: O tratamento mais eficaz é uma abordagem combinada:
    • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): A TCC é adaptada para TDAH e ajuda o paciente a desenvolver habilidades de organização, gestão do tempo e controle da impulsividade. Ela também trabalha na regulação emocional e na autoestima.
    • Farmacoterapia: Medicamentos estimulantes (como metilfenidato e anfetaminas) são considerados a primeira linha de tratamento para o TDAH. Eles agem na regulação da dopamina e da noradrenalina, melhorando o foco, a atenção e reduzindo a impulsividade.

7. Conclusão

O TDAH em adultos é uma condição real e amplamente estudada, com bases neurobiológicas e genéticas. É um transtorno que pode ser gerenciado com sucesso. Com o diagnóstico correto e o tratamento adequado, é possível não apenas controlar os sintomas, mas também transformar os desafios em pontos fortes, construindo uma vida mais organizada e plena.

Referências

Organização Mundial da Saúde (OMS): CID-11 - International Classification of Diseases 11th Edition. 6A05 - Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.

American Psychiatric Association (APA): DSM-5-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição, Texto Revisado.

Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP): Diretrizes sobre diagnóstico e tratamento de TDAH.

National Institute of Mental Health (NIMH): Informações sobre transtornos do neurodesenvolvimento e pesquisas sobre TDAH.

Foto de Mizuno K: https://www.pexels.com/pt-br/foto/mulher-mesa-balcao-escritorio-12911184/

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