O Transtorno Depressivo (CID-11: 6A70) na TCC

O peso da interpretação e a perda da luz

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

05/11/2025 às 20:44, atualizado em 05/11/2025 às 20:44

Tempo de leitura: 5m

O Transtorno Depressivo Maior (Episódio Depressivo 6A70, segundo a CID-11) é visto pela TCC como uma condição sustentada pela Tríade Cognitiva da Depressão: uma visão negativa de si mesmo (“Sou inútil, não sou digno”), do mundo (“O mundo é injusto e me priva”) e do futuro (“As coisas nunca vão melhorar”). Esses pensamentos automáticos e crenças centrais negativas levam à anedonia e à redução da energia, pois a pessoa passa a ver qualquer esforço como fútil. A intervenção foca em quebrar esse ciclo, começando pela ativação comportamental.

Observo que a depressão nos apresenta o paradoxo de ter luz externa, mas viver em uma escuridão interna autoimposta. Para mim, o Transtorno Depressivo é o momento em que as crenças centrais se tornam mais fortes que a própria realidade, atuando como um filtro implacável que só permite a passagem da desesperança. A tristeza é uma experiência humana universal, um luto necessário, mas o estado depressivo é a insistência da mente em ler todos os fatos através da lente do desvalor e da falha total. A anedonia, o vazio e a perda de energia não são apenas sintomas, mas a resposta coerente de um corpo que parou de se engajar porque o pensamento já decretou a inutilidade de qualquer esforço. A TCC precisa intervir exatamente neste ponto: questionar a leitura, não apenas consolar a dor.

O rigor dos manuais, como a CID-11, que exige sintomas fundamentais como o humor deprimido ou a anedonia por no mínimo duas semanas, nos ajuda a traçar a fronteira ética entre a tristeza adaptativa e a patologia. Mas para mim, o cerne da questão está no processo de interpretação que alimenta essa escuridão. O que faz a energia murchar, a concentração sumir, e a culpa avassalar, é o peso persistente da interpretação negativa sobre o valor próprio e o valor da experiência.

O Modelo Cognitivo de Aaron T. Beck nos dá a linguagem para mapear essa escuridão. O estado depressivo é mantido pelo elo entre pensamentos, sentimentos e comportamentos.

Imagem do artigo: O Transtorno Depressivo (CID-11: 6A70) na TCC

Se um pensamento surge como “Eu falhei em tudo o que tentei, sou um fracasso total” (uma crença de desvalor), o sentimento inevitável é a desesperança e a tristeza profunda. Em resposta a essa dor, o comportamento é o isolamento, a inatividade e a esquiva de tarefas.

Paradoxalmente, essa inatividade, que é uma tentativa de autopreservação, priva o indivíduo de novas evidências que poderiam contradizer a crença de fracasso. Não fazer nada confirma, na mente deprimida, que a visão de inutilidade é verdadeira. A trama é circular, e o ponto de entrada para a mudança é a flexibilização do pensamento e a reintrodução gradual do comportamento.

Se essa lente de pensamento tem tornado sua paisagem interna turva, talvez seja o momento de pausar e reexaminar o que está, de fato, em foco. A TCC convida você a sair da posição de vítima passiva de seus pensamentos para a posição de cientista que os investiga com rigor.

É um erro simplista atribuir a depressão apenas a um "desequilíbrio químico". Embora as alterações neurobiológicas (como a desregulação da serotonina ou do cortisol elevado em estresse crônico) sejam reais e tratáveis com farmacoterapia, o trabalho psicológico é fundamental para reescrever o roteiro de vida.

A TCC tem demonstrado ser uma intervenção eficaz, atuando no eixo da reestruturação cognitiva e da ativação comportamental. Meta-análises e estudos de outcome, inclusive aqueles revistos por Butler et al. (2006) e pelo National Institute of Mental Health (NIMH), mostram a TCC como um tratamento primário ou adjuvante com eficácia comparável à farmacoterapia em casos leves a moderados, e superior na prevenção de recaídas a longo prazo. O foco da TCC é ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta, desarmando os esquemas cognitivos mal-adaptativos.

A ativação comportamental é a quebra do ciclo da anedonia: iniciar, mesmo sem vontade, pequenas atividades que antes eram fontes de prazer ou competência. Ao agir (comportamento), a pessoa reúne evidências de competência (pensamento), o que, por sua vez, melhora o humor (sentimento).

Você tem o poder de questionar a voz interna que o rotula. Para começar a minar a certeza absoluta de suas crenças depressivas e esquemas de desvalor, proponho o interrogatório socrático:

Lembre-se: o pensamento não é um fato. É uma hipótese. E na TCC, a hipótese de que você é incapaz merece ser confrontada com a luz das evidências.

Referências

BUTLER, G.; CHAPMAN, J.; FORBES, P. et al. The empirical status of cognitive-behavioural therapy: a review of meta-analyses. Clinical Psychology Review, v. 26, n. 1, p. 17-31, 2006. DOI: 10.1016/j.cpr.2005.07.003.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). 2023. Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en. Acesso em: 5 nov. 2025.

BECK, Aaron T.; ALFORD, Brad A. O Transtorno Depressivo e suas Comorbidades: Uma Perspectiva Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2011.

Foto de Adrien Olichon: https://www.pexels.com/pt-br/foto/homem-sentado-em-frente-a-uma-tela-ligada-2736135/

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro Psicólogo com Foco na Terapia Cognitivo-Comportamental para Ansiedade, Depressão e Alterações de Humor

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