O Que é o Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável? (CID-11: 6A60.3)

Uma Análise Aprofundada sobre a Instabilidade da Emoção e da Identidade

Por Suzane Martins Brancaglioni, CRP 06/136222

18/09/2025 às 01:42, atualizado em 19/09/2025 às 19:50

Tempo de leitura: 6m

O Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável, conhecido popularmente como Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), é uma condição mental complexa e grave, caracterizada por um padrão generalizado de instabilidade em diversas áreas da vida: emoções, relacionamentos, autoimagem e comportamento. A pessoa que vive com esse transtorno enfrenta uma batalha constante para regular suas emoções, o que leva a uma vida marcada por crises, medo de abandono e um sentimento crônico de vazio. Embora seja uma condição desafiadora, o transtorno é tratável e a recuperação é possível com o apoio e a terapia corretos.

1. O Que é o Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável? (CID-11: 6A60.3)

O Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável (TPEI) é classificado na CID-11 como um transtorno de personalidade que se manifesta por problemas persistentes no funcionamento interpessoal e do "self". A principal característica é a instabilidade emocional, que pode se manifestar de diversas formas. Na prática clínica, o diagnóstico é feito com base em critérios detalhados.

  • Critérios Diagnósticos (DSM-5): Para que um diagnóstico de TPEI (ou TPB) seja confirmado, o indivíduo deve ter pelo menos cinco dos nove sintomas abaixo, que devem ser um padrão persistente na vida adulta.
    • Esforços Frenéticos para Evitar o Abandono: Medo intenso e irracional de ser abandonado, que leva a pessoa a fazer esforços desesperados para evitar a solidão.
    • Relacionamentos Interpessoais Instáveis e Intensos: A pessoa tem um padrão de idealização e desvalorização (os outros são vistos como "totalmente bons" ou "totalmente ruins"), o que leva a relacionamentos turbulentos e caóticos.
    • Instabilidade da Autoimagem e Identidade: Uma sensação de "quem eu sou" que é instável. A pessoa pode ter metas, valores e opiniões que mudam drasticamente de forma repentina.
    • Impulsividade: O indivíduo age sem pensar nas consequências, em pelo menos duas áreas que podem ser prejudiciais, como gastos excessivos, sexo de risco, abuso de substâncias, direção perigosa ou compulsão alimentar.
    • Comportamentos Autolesivos ou Ameaças de Suicídio: Recorrência de gestos suicidas, ameaças ou comportamentos de automutilação, que são frequentemente usados para tentar aliviar a dor emocional intensa.
    • Instabilidade Afetiva: A pessoa tem uma reatividade de humor muito forte e intensa, com oscilações emocionais que duram de algumas horas a alguns dias.
    • Sentimento Crônico de Vazio: Uma sensação persistente de oco ou de falta de propósito, que é um sintoma central do transtorno e que pode levar aos comportamentos impulsivos.
    • Raiva Intensa e Inadequada: Dificuldade em controlar a raiva, que se manifesta de forma intensa e desproporcional a uma situação.
    • Pensamentos Paranoicos ou Dissociação: Em momentos de estresse intenso, a pessoa pode ter pensamentos de que os outros a estão prejudicando ou pode ter uma sensação de que está "fora do corpo" (dissociação).

2. Causas e Fatores de Risco

O transtorno não é culpa de uma única causa. É o resultado de uma combinação complexa de fatores genéticos, biológicos e ambientais.

2.1. Fatores Genéticos e Biológicos

  • Genética: O risco de desenvolver o transtorno é maior em pessoas que têm um histórico familiar da condição.
  • Neurobiologia: A pesquisa aponta para disfunções em áreas cerebrais que regulam as emoções e o controle dos impulsos, como a amígdala (responsável pelo processamento do medo) e o córtex pré-frontal (responsável pela tomada de decisão).

2.2. Fatores Ambientais e de Desenvolvimento

  • Trauma na Infância: O abuso físico, emocional ou sexual na infância e a negligência parental são fatores de risco significativos.
  • Ambiente de Invalidação Emocional: Crescer em um ambiente onde as emoções não são reconhecidas ou validadas pode impedir a criança de aprender a regular seus próprios sentimentos, o que a torna mais vulnerável ao transtorno.
  • Apego Inseguro: A falta de um relacionamento seguro e estável com os cuidadores na infância pode levar a um medo crônico de abandono e a dificuldades em formar relacionamentos saudáveis na vida adulta.

3. O Sentimento de Vazio e a Luta por Estabilidade

O sentimento crônico de vazio é um dos sintomas mais debilitantes do transtorno. É uma sensação de que a pessoa não tem uma identidade sólida e que precisa de estímulos externos para se sentir "viva". Essa sensação de vazio é uma das razões que levam aos comportamentos impulsivos, como o abuso de substâncias, a automutilação ou o sexo de risco. A pessoa tenta desesperadamente preencher esse vazio, mas os métodos que ela usa oferecem apenas um alívio temporário, criando um ciclo de sofrimento.

Imagem do artigo: O Que é o Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável? (CID-11: 6A60.3)

4. Tratamento e Gestão

O Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável é uma condição tratável. O tratamento é complexo e de longo prazo, mas com a abordagem correta, a pessoa pode aprender a gerenciar suas emoções e a ter uma vida mais estável.

4.1. Psicoterapia: A Base do Tratamento

A psicoterapia é o tratamento de escolha. As abordagens mais eficazes são:

  • Terapia Comportamental Dialética (DBT): Desenvolvida por Marsha Linehan, a DBT é a terapia mais estudada para o TPEI. Ela se concentra em quatro módulos principais de habilidades: mindfulness, regulação emocional, tolerância ao sofrimento e eficácia interpessoal. A DBT ajuda o paciente a lidar com as crises, a construir relacionamentos saudáveis e a gerenciar a intensidade de suas emoções.
  • Terapia Focada no Esquema (TFE): Ajuda o paciente a identificar e a mudar os padrões de pensamento e comportamento de longa data (chamados de "esquemas") que se desenvolveram como resultado de experiências negativas na infância. A TFE é eficaz para tratar a autoimagem distorcida e os padrões de relacionamento disfuncionais.
  • Psicanálise e Psicoterapia Psicodinâmica: Embora seja um tratamento de longo prazo, essas abordagens podem ser úteis para explorar as raízes profundas dos sintomas e para reestruturar a personalidade do indivíduo.

4.2. Farmacoterapia

Medicamentos não curam o transtorno de personalidade, mas são importantes para tratar os sintomas e as comorbidades.

  • Estabilizadores de Humor e Antidepressivos: Podem ser usados para controlar as oscilações de humor e a depressão.
  • Antipsicóticos: Em baixas doses, podem ser prescritos para controlar a impulsividade, a raiva e os pensamentos paranoicos em momentos de estresse intenso.

5. Conclusão

O Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável não é uma falha de caráter. É uma condição de saúde mental com raízes em fatores biológicos e em experiências de vida dolorosas. Viver com esse transtorno pode ser uma experiência exaustiva e isoladora, mas a recuperação é possível. A chave para a recuperação é a busca por ajuda profissional, a adesão a terapias especializadas como a DBT e o compromisso em aprender a gerenciar as emoções. Com o apoio e a terapia corretos, a pessoa pode construir uma vida de estabilidade, com relacionamentos mais saudáveis e uma autoimagem mais sólida.

Referências

Organização Mundial da Saúde (OMS): CID-11 - International Classification of Diseases 11th Edition. 6A60.3 - Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável.

American Psychiatric Association (APA): DSM-5-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição, Texto Revisado.

Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP): Diretrizes sobre diagnóstico e tratamento de transtornos de personalidade.

Obras de Marsha Linehan: Criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT).

Foto de Andrea Piacquadio: https://www.pexels.com/pt-br/foto/mulher-de-camiseta-cinza-3812746/

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