Existe um tipo de funeral onde não há corpo, não há velório e, muitas vezes, não há sequer o reconhecimento social da perda. É o enterro de um futuro que foi meticulosamente planejado, mas que jamais se concretizará. Pode ser o diagnóstico de infertilidade que apaga a imagem dos filhos correndo pela casa, o divórcio que encerra a promessa de envelhecer juntos ou a carreira que ruiu antes de começar. Chorar por algo que nunca existiu pode parecer irracional para o observador externo, mas a psicologia confirma que essa dor é real, profunda e biologicamente indistinguível do luto por uma pessoa amada.
Para entender por que sofremos por uma fantasia, precisamos recorrer à Análise Experimental do Comportamento. B.F. Skinner explicou que grande parte do comportamento humano é mantida por reforço atrasado. Trabalhamos, economizamos e nos sacrificamos no presente em troca de uma recompensa projetada no futuro. Quando esse futuro é subitamente cancelado, ocorre um fenômeno comportamental chamado extinção.
A extinção acontece quando um comportamento que antes era reforçado (ou que visava um reforço) deixa de produzir resultados. Skinner observou que o efeito colateral imediato da extinção não é apenas a tristeza, mas uma reação emocional intensa, muitas vezes envolvendo raiva e frustração, conhecida como burt da extinção. O indivíduo sente-se roubado. A energia investida durante anos para construir aquele futuro idealizado fica subitamente sem destino, gerando uma angústia psíquica severa.
Do ponto de vista cognitivo, a dor é amplificada pela forma como estruturamos nossa identidade. Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), descreveu a "Tríade Cognitiva" da depressão, que envolve a visão sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro. O luto pelo futuro idealizado é, essencialmente, a quebra de uma das pernas dessa tríade. Muitas vezes, isso ativa crenças centrais de fracasso ou desamparo.
O indivíduo sofre com o pensamento dicotômico, uma distorção cognitiva onde a realidade é vista em preto e branco: ou eu tenho aquela vida específica que sonhei, ou minha vida não vale nada. O cérebro havia criado um mapa neural daquele futuro e, ao confrontar a realidade, sofre o que a neurociência chama de erro de predição. A discrepância entre o que o cérebro esperava e o que a realidade entregou causa uma queda abrupta de dopamina e um aumento de cortisol, a química do estresse.
A validação clínica desse sofrimento é encontrada nos manuais de diagnóstico. O DSM-5-TR categoriza os Transtornos de Adaptação, que são o desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais em resposta a um estressor identificável. A perda de um emprego sonhado ou um divórcio inesperado se encaixam perfeitamente aqui. O sofrimento é desproporcional ao que seria esperado culturalmente, causando prejuízo significativo. A Organização Mundial da Saúde (OMS), na CID-11, também aborda reações graves ao estresse, reforçando que a saúde mental depende da capacidade de se reorganizar após rupturas biográficas.
Superar esse luto exige um trabalho de reconstrução cognitiva e comportamental. Não se trata apenas de esquecer o sonho, mas de validar a dor da perda. O processo terapêutico envolve a flexibilidade psicológica, ajudando o paciente a diferenciar seus valores (o que é importante, como "ser pai/mãe") dos objetivos específicos que falharam (ter um filho biológico agora). A neuroplasticidade nos permite criar novos caminhos. Quando paramos de brigar com a realidade (aceitação) e começamos a investir energia em novos reforçadores possíveis, o cérebro volta a produzir esperança. O futuro idealizado morreu, mas o futuro possível ainda está esperando para ser construído.