Existe uma narrativa cultural, quase um "folclore obstétrico", de que toda mulher desabará em lágrimas no terceiro dia após o parto. Embora as estatísticas apontem que entre 50% e 80% das puérperas vivenciem o chamado Baby Blues (ou disforia pós-parto), isso deixa uma margem significativa de 20% a 50% de mulheres que não passam por essa turbulência emocional. A pergunta que a ciência se faz, portanto, não é apenas por que a tristeza ocorre, mas por que ela não ocorre para todas. A resposta não está na sorte, mas na interação complexa entre a sensibilidade biológica individual e a qualidade do ambiente que cerca essa mulher. O evento biológico é universal, a reação é individual
O fato fisiológico é incontestável e vale para todas: após a expulsão da placenta, os níveis de estrogênio e progesterona despencam vertiginosamente. No entanto, a neuropsicologia nos explica que a sensibilidade a essa queda varia drasticamente de um cérebro para outro.
Podemos usar uma metáfora clínica: a queda hormonal é como o pólen na primavera. O pólen está no ar para todos, mas apenas aqueles com predisposição alérgica espirram. Da mesma forma, algumas mulheres possuem receptores neurais mais resilientes à flutuação de neurotransmissores (como serotonina e GABA) causada pela mudança hormonal. Para estas, a queda de hormônios gera apenas cansaço físico, sem a angústia emocional. O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) alerta para não patologizarmos a tristeza, mas também para não patologizarmos a ausência dela. Uma mãe que se sente bem e disposta logo após o parto não está "em negação"; ela pode simplesmente ter uma biologia mais resistente à oscilação endócrina. O ambiente como amortecedor: a visão de Skinner
Se a biologia dita a predisposição, o ambiente dita o gatilho. B.F. Skinner, pai do Behaviorismo Radical, nos ensina que o comportamento é função de suas consequências e do contexto. O Baby Blues floresce mais facilmente em ambientes onde há excesso de estímulos aversivos (dor, barulho, críticas) e escassez de apoio instrumental.
Considere duas mães com a mesma queda hormonal. A "Mãe A" volta para uma casa onde precisa cozinhar, limpar e cuidar de outros filhos sozinha. A "Mãe B" volta para uma casa onde uma rede de apoio assume todas as tarefas domésticas, permitindo que ela apenas amamente e durma. Skinner diria que o ambiente da "Mãe B" removeu as contingências coercitivas. O estresse ambiental é um amplificador da sensibilidade hormonal. Quando o ambiente provê segurança e descanso (reforçadores positivos), o impacto emocional da fisiologia é amortecido. Portanto, a tristeza não é regra; muitas vezes, ela é o sintoma de uma mãe sobrecarregada, não apenas de uma mulher com hormônios em queda. A interpretação cognitiva da fadiga
Muitas vezes, o que chamamos de "tristeza" é, na verdade, exaustão física interpretada erroneamente. Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), destaca o papel da avaliação cognitiva. Uma mãe pode sentir o peso do corpo, a dificuldade de raciocínio e a lentidão (sintomas físicos da recuperação do parto e da privação de sono) e pensar: "Isso é normal, meu corpo correu uma maratona". Essa mulher provavelmente não desenvolverá o quadro emocional do Blues.
Outra mãe, sentindo os mesmos sintomas físicos, pode ter o pensamento automático: "Estou sem energia, logo, não estou feliz com meu bebê". Essa distorção cognitiva transforma uma sensação física em um problema emocional. A TCC nos mostra que a forma como rotulamos nossas sensações internas define nossa experiência emocional. O Baby Blues não é uma sentença; é um risco aumentado que pode ser mitigado por uma mentalidade flexível e realista sobre o cansaço. Conclusão
A tristeza pós-parto imediata, embora extremamente comum, não é um "pedágio" obrigatório da maternidade. Ela é um fenômeno multifatorial. Não sentir o Baby Blues não faz de você uma mãe menos conectada ou "fria"; pelo contrário, pode indicar uma boa rede de apoio, uma neurobiologia resiliente ou estratégias de enfrentamento cognitivo eficazes.
A verdade científica é que cada puerpério é uma impressão digital única. Seja com lágrimas hormonais ou com uma serenidade cansada, o que importa é a funcionalidade da díade mãe-bebê e o bem-estar da mulher. Se a tristeza vier, acolha-a como passageira. Se não vier, acolha a estabilidade sem culpa.