A proteção da infância é, sem dúvida, a tarefa mais urgente e delicada de qualquer sociedade. Quando abordamos a prevenção ao abuso sexual infantil, precisamos ir além do medo paralisante e adotar uma postura educativa e proativa. Na Psicologia Clínica, entendemos que o abuso prospera no segredo e na obediência cega. Para desmantelar essa cultura, unimos a Terapia Cognitivo-Comportamental, com a visão de Aaron Beck sobre como interpretamos a autoridade, e a Análise Experimental do Comportamento, com as leis de aprendizagem de B.F. Skinner, para criar uma estratégia de defesa baseada na autonomia e na clareza.
O primeiro passo é cognitivo e pertence aos adultos. Aaron Beck nos alerta sobre o perigo das distorções cognitivas, que são erros de julgamento que cometemos automaticamente. Muitos pais operam sob a crença de que "isso nunca acontecerá na minha família" ou que "o abusador é um monstro desconhecido". A estatística nos mostra o contrário; frequentemente, o perigo reside na proximidade. Beck diria que precisamos substituir essa negação pela vigilância realista. Aceitar a possibilidade do risco não é ser pessimista, é ser responsável. Isso envolve monitorar quem tem acesso à criança e reavaliar a crença de que todo adulto, parente ou amigo, é inerentemente confiável.
No campo da ação, B.F. Skinner e o Behaviorismo Radical nos fornecem a ferramenta da discriminação de estímulos. A criança precisa aprender a diferenciar o toque de cuidado (como o banho ou o médico) do toque abusivo. Isso não se ensina com metáforas confusas, mas com linguagem clara. Ensinar os nomes anatômicos corretos dos órgãos genitais é uma forma de controle de estímulos; retira o tabu e fornece vocabulário para a denúncia. Se a criança não sabe nomear, ela tem dificuldade em relatar. Skinner nos ensina que o comportamento verbal é a primeira linha de defesa. Se a criança é reforçada positivamente (elogiada e acolhida) quando fala sobre seu corpo, ela terá mais probabilidade de comunicar algo errado.
Um ponto crucial onde as duas teorias convergem é o conceito de obediência. Culturalmente, ensinamos as crianças a obedecerem aos adultos sem questionar. Beck apontaria que isso cria uma crença central de desamparo: "o adulto sempre tem razão e eu não tenho poder". O abusador explora essa crença. Skinner, por sua vez, analisaria o histórico de punição. Se uma criança é punida toda vez que diz "não" a um beijo ou abraço forçado de um parente, estamos extinguindo seu comportamento de autodefesa. Para prevenir o abuso, precisamos reforçar a autonomia. A criança deve saber que ela é dona do próprio corpo e que seu "não" tem valor e consequência, mesmo diante de uma autoridade.
A estratégia do abusador, conhecida como grooming, é um processo de modelagem comportamental. O agressor aproxima-se gradualmente, oferecendo presentes e atenção especial (reforço positivo), criando uma dependência emocional antes de violar os limites físicos. Entender esse mecanismo permite aos pais identificar sinais de alerta, como um adulto que busca isolamento excessivo com a criança ou oferece privilégios secretos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que a educação sexual e a prevenção são pilares fundamentais para a saúde pública, reduzindo a vulnerabilidade infantil.
É doloroso, mas necessário, classificar a realidade clínica. A condição Abuso Sexual de Criança é detalhada no DSM-5-TR (código 995.53 ou seção Maus-tratos e Negligência) e é classificada como Maus-tratos sexuais de criança no CID-11 (código PJ23), correspondendo ao CID-10 (código T74.2). Reconhecer esses códigos nos manuais reforça que estamos lidando com uma violação severa que exige rigor técnico e intervenção imediata.
Concluímos que prevenir não é assustar, é empoderar. A neurociência, que sustenta biologicamente nossas intervenções, mostra que o cérebro infantil em desenvolvimento é extremamente plástico. Experiências de segurança e validação fortalecem circuitos de resiliência. Ao aplicarmos a reestruturação cognitiva de Beck para eliminar a culpa e o segredo, e as técnicas de Skinner para treinar habilidades de recusa e discriminação, estamos construindo um escudo invisível, porém robusto. Estamos criando uma geração que sabe o valor do seu próprio corpo e que confia que sua voz será ouvida, respeitada e protegida.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.
BECK, Aaron T. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press, 1976.
FINKELHOR, David. Child Sexual Abuse: New Theory and Research. New York: Free Press, 1984.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). 10. rev. São Paulo: EDUSP, 1997.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics. Geneva: WHO, 2018.
SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.