A Engenharia da Esperança

Como a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Análise do Comportamento reconstróem a vida na Reabilitação Neuropsicológica

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

12/12/2025 às 14:47, atualizado em 12/12/2025 às 14:47

Tempo de leitura: 4m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes - São Paulo / SP
Possui vagas para atendimento social

O cérebro humano é a estrutura mais complexa do universo conhecido, mas sua sofisticação traz consigo uma fragilidade inerente. Quando uma lesão ocorre, seja por um trauma, um acidente vascular ou um processo degenerativo, o impacto reverbera muito além da perda biológica de neurônios. Ele abala a identidade do indivíduo. Na Reabilitação Neuropsicológica, não buscamos apenas consertar uma máquina avariada, mas resgatar a pessoa que habita essa máquina. Ao entrelaçarmos a Terapia Cognitivo-Comportamental, fundada por Aaron Beck, com a Análise Experimental do Comportamento, de B.F. Skinner, construímos uma abordagem robusta onde a reestruturação dos pensamentos guia a mão que reaprende a agir.

O processo de reabilitação começa frequentemente com o desafio da autopercepção. Aaron Beck nos ensinou que a forma como interpretamos uma situação determina nossa reação emocional a ela. Pacientes com danos neurológicos frequentemente sofrem de distorções cognitivas, como a catastrofização, onde uma falha de memória é interpretada como um sinal definitivo de inutilidade. O trabalho cognitivo é essencial para ajustar as expectativas. Ajudamos o paciente a substituir o pensamento "eu sou incapaz" por "eu preciso usar uma estratégia diferente". Essa flexibilidade mental é o solo onde as novas habilidades serão plantadas. Sem essa reestruturação, a frustração pode levar ao abandono do tratamento, um comportamento de esquiva que bloqueia o progresso.

Uma vez preparado o terreno mental, entra em cena a tecnologia comportamental de B.F. Skinner. A reabilitação é, em sua essência, um processo de aprendizagem. Para reaprender a vestir uma camisa ou planejar o dia, utilizamos o conceito de modelagem, que consiste em reforçar aproximações sucessivas de um comportamento alvo. Não esperamos que o paciente recupere a função perfeita imediatamente. Celebramos cada pequeno passo na direção correta. O reforço positivo, que é a adição de uma consequência gratificante após uma ação, torna-se o combustível da neuroplasticidade. Cada vez que o paciente utiliza corretamente uma agenda ou completa uma tarefa e recebe feedback positivo, a probabilidade de ele repetir esse esforço aumenta, fortalecendo novas vias neurais.

É fundamental situar essa prática no contexto clínico formal. A condição frequentemente tratada, como o Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve, é detalhada no DSM-5-TR (código 331.9 ou seção Transtornos Neurocognitivos) e é classificada como Transtornos neurocognitivos no CID-11 (código 6D70), correspondendo ao CID-10 (código F06.8). A Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza que a saúde não é apenas a ausência de doença, mas a funcionalidade e a participação social, o que torna a reabilitação uma ferramenta de direitos humanos e reintegração social.

Imagem do artigo: A Engenharia da Esperança

A integração das teorias se aprofunda no manejo das Funções Executivas, que são as habilidades de planejar, organizar e regular o comportamento. Pacientes com lesões frontais muitas vezes falham nisso. Aqui, Skinner nos orienta a modificar o ambiente. Criamos próteses ambientais, como alarmes, quadros de avisos e etiquetas, que funcionam como estímulos discriminativos, ou seja, sinais no ambiente que lembram o cérebro do que deve ser feito. Beck complementa isso trabalhando a metacognição, a capacidade de pensar sobre o próprio pensamento. Ensinamos o paciente a parar e se perguntar: "O que eu preciso fazer agora? Qual é o meu plano?". Esse diálogo interno, treinado exaustivamente, substitui as funções automáticas que foram perdidas.

Por fim, a reabilitação neuropsicológica é uma jornada de adaptação. A neurociência, servindo aqui como o alicerce biológico de nossas intervenções, demonstra que o cérebro possui neuroplasticidade, a capacidade de se remodelar física e funcionalmente em resposta à experiência. Contudo, essa remodelação não acontece no vácuo. Ela depende da repetição sistemática de comportamentos saudáveis, como preconizado por Skinner, e da manutenção de um estado emocional motivado e esperançoso, como estruturado por Beck. Assim, ao unirmos a precisão do comportamento com a clareza da cognição, oferecemos ao paciente não a promessa de voltar a ser exatamente quem era, mas a ferramenta concreta para construir a melhor versão de quem ele pode ser agora.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Aaron T. Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press, 1976.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). 10. rev. São Paulo: EDUSP, 1997.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics. Geneva: WHO, 2018.

SKINNER, Burrhus Frederic. Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder, 1972.

WILSON, Barbara A. Neuropsychological Rehabilitation: Theory, Models, Therapy and Outcome. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

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