A mentira do "eu faço amanhã"

Por que seu cérebro prefere o pânico do prazo ao tédio do processo

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 03:09, atualizado em 11/12/2025 às 03:09

Tempo de leitura: 3m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Você conhece a sensação física de ter uma tarefa importante para realizar e sentir uma força invisível empurrando seu corpo para longe da mesa de trabalho. Não é apenas falta de vontade, é uma batalha neuroquímica. A procrastinação não é um defeito de caráter ou sinônimo de preguiça. Ela é, fundamentalmente, uma falha na regulação emocional e um mecanismo de defesa mal adaptado que aprendemos a usar para lidar com o desconforto.

Para entender por que sabotamos nosso próprio futuro, precisamos revisitar os laboratórios de B.F. Skinner. Em sua análise do comportamento, Skinner descreveu um fenômeno crucial para este tema: o conflito entre o reforço imediato e o reforço atrasado. O cérebro humano evoluiu para priorizar recompensas que estão disponíveis agora. Quando você decide assistir a um vídeo engraçado em vez de escrever um relatório, você recebe uma dose instantânea de dopamina. Já a recompensa do relatório (o dever cumprido) está distante e abstrata.

Além disso, a procrastinação funciona sob a lógica do reforço negativo. Este termo técnico, frequentemente mal compreendido, não significa algo ruim. Significa a remoção de um estímulo aversivo. Quando você pensa na tarefa difícil, sente ansiedade. Ao decidir adiar a tarefa, a ansiedade desaparece instantaneamente. Esse alívio imediato ensina seu cérebro que adiar é uma ótima solução para reduzir o estresse, criando um ciclo vicioso de esquiva que se fortalece a cada repetição.

No campo da Terapia Cognitivo-Comportamental, Aaron Beck nos ajuda a entender o diálogo interno que sustenta esse comportamento. O procrastinador crônico geralmente sofre de perfeccionismo desadaptativo. Ele não adia porque não se importa, mas porque se importa demais. Beck identificou que pensamentos automáticos como "se não ficar perfeito, será um fracasso" geram uma paralisia. O indivíduo prefere não fazer nada a enfrentar a possibilidade de um resultado mediano.

Imagem do artigo: A mentira do "eu faço amanhã"

Essa dinâmica pode ser tão intensa que mimetiza ou compõe quadros clínicos descritos no DSM-5-TR, a atualização mais recente do manual diagnóstico americano. Embora a procrastinação não seja um transtorno isolado, ela é um sintoma central no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Ansiedade. A Classificação Internacional de Doenças da OMS, a CID-11, também observa dificuldades severas na gestão de tarefas como indicadores de problemas nas funções executivas, que são as habilidades mentais de planejamento e controle inibitório.

Neuropsicologicamente, é uma guerra civil entre o Sistema Límbico (nosso centro emocional primitivo que quer prazer agora) e o Córtex Pré-Frontal (o gerente racional que pensa no futuro). Nos procrastinadores, o sistema límbico frequentemente sequestra o comando diante de tarefas entediantes ou assustadoras.

A boa notícia é que a modelagem comportamental, um conceito da AEC, sugere que podemos reaprender a trabalhar. Não precisamos de motivação, precisamos de ação prévia. A estratégia clínica envolve quebrar a tarefa grande em micro-passos ridículos de tão pequenos (ex: abrir o documento em vez de escrever o capítulo). Ao completar um micro-passo, geramos uma pequena sensação de competência que serve como combustível. Validar que a tarefa é difícil, mas executável, e focar no processo em vez do resultado final, é o caminho para reconciliar o "eu de hoje" com o "eu de amanhã".

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-11). Genebra: OMS, 2022.

SKINNER, B. F. Questões recentes na análise comportamental. 6. ed. Campinas: Papirus, 1995. 

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