A melancolia do Baby Blues

A distinção neuropsicológica entre a tristeza hormonal passageira e a depressão clínica

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 01:51, atualizado em 11/12/2025 às 01:51

Tempo de leitura: 5m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Cerca de três dias após o parto, quando o leite desce e a adrenalina do nascimento se dissipa, uma nuvem inesperada paira sobre a maternidade. Entre 50% e 80% das puérperas experimentam uma vontade incontrolável de chorar, uma irritabilidade à flor da pele e uma sensação de vulnerabilidade extrema. Esse fenômeno, conhecido popularmente como "Baby Blues" ou Disforia Pós-Parto, é frequentemente confundido com ingratidão ou fraqueza. No entanto, a ciência nos assegura que não se trata de uma falha emocional, mas de uma tempestade fisiológica necessária. Diferente da depressão pós-parto, que é um transtorno persistente, o Baby Blues é um "ajuste de sistema", um pedágio biológico e comportamental que o corpo paga para transitar da gravidez para a lactação. O terremoto neuroendócrino

Para compreender o choro súbito da recém-mãe, precisamos olhar para a química cerebral. Durante nove meses, a placenta funcionou como uma fábrica de hormônios, elevando o estrogênio e a progesterona a níveis estratosféricos. Com a expulsão da placenta no parto, ocorre o que a neurociência chama de "abstinência hormonal abrupta". Em questão de 48 a 72 horas, esses hormônios despencam para níveis pré-puberdade.

Essa queda vertiginosa desregula temporariamente a atividade dos neurotransmissores, especificamente a serotonina e o ácido gama-aminobutírico (GABA), que são nossos estabilizadores naturais de humor. O resultado é a labilidade emocional — uma oscilação rápida e intensa de sentimentos. A mãe não está triste com o bebê; o cérebro dela está, literalmente, reaprendendo a funcionar sem a "droga" hormonal que o sustentou por meses. O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) nos ajuda a classificar esse estado não como patologia, mas como uma condição transitória que, crucialmente, não interfere na capacidade da mãe de cuidar do filho, diferentemente da depressão maior.

Skinner e a privação do sono como operação estabelecedora

Imagem do artigo: A melancolia do Baby Blues

Se a biologia explica o choro, a Análise do Comportamento explica a irritação. B.F. Skinner introduziu o conceito de operação estabelecedora, que são eventos ambientais que alteram o valor de um reforçador ou a intensidade de uma punição. No pós-parto imediato, a privação severa de sono atua como uma poderosa operação estabelecedora.

Sob privação de sono, a tolerância a estímulos aversivos (como o barulho ou a dor da amamentação) cai drasticamente. Skinner diria que o "limiar de resposta" da mãe está alterado. Pequenos contratempos que seriam ignorados em uma noite bem dormida tornam-se gatilhos para crises de choro. Além disso, a mãe está vivendo uma mudança radical nas contingências de reforço. Sua rotina anterior, previsível e recompensadora, foi substituída por um ciclo de demandas ininterruptas de um ser que ainda não retribui com sorrisos (reforço social). O Baby Blues é, também, o luto comportamental pela perda da autonomia momentânea. O manejo cognitivo: normalização versus catastrofização

O perigo do Baby Blues não está no sentimento em si, mas na interpretação que a mãe faz dele. Aaron Beck, criador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), alerta para o risco da catastrofização. Se a mãe interpreta seu choro como um sinal de que "não nasceu para isso" ou que "está deprimida para sempre", ela adiciona uma camada de sofrimento cognitivo à dor biológica.

A intervenção aqui é a psicoeducação e a normalização. É vital explicar que sentir tristeza nesse período é tão fisiológico quanto sentir dor após uma cirurgia. Não é um reflexo do amor pelo bebê, mas do cansaço do corpo. A distinção chave, segundo a literatura clínica, é a duração. O Baby Blues é autolimitado; ele tende a desaparecer espontaneamente em duas semanas, à medida que os hormônios se estabilizam e a rotina se ajusta. Se a névoa persistir além desse marco ou se houver pensamentos de dano a si ou ao bebê, a linha para a depressão pode ter sido cruzada, exigindo ajuda profissional imediata. Conclusão

O Baby Blues é o "jet lag" da maternidade. É o preço da viagem rápida entre ser mulher e tornar-se mãe. Acolher essa tristeza sem tentar consertá-la, permitindo que a mãe chore sem julgamentos e garantindo-lhe horas de sono (o melhor antidepressivo natural), é a melhor estratégia.

Entender que as lágrimas são compostas de hormônios em queda e cansaço acumulado retira o peso da culpa. Em breve, a química se equilibrará, o bebê sorrirá pela primeira vez, e a névoa se dissipará, revelando a luz da nova vida que se estabelece.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

KANDEL, Eric R. et al. Princípios de Neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Maternal Mental Health. Genebra: OMS, 2024. 

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