A gravidade do silêncio

Uma análise integrada da exaustão existencial sob a ótica da neuropsicologia e das ciências do comportamento

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

07/12/2025 às 17:39, atualizado em 08/12/2025 às 10:32

Tempo de leitura: 5m

Foto do profissional Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Existe um momento específico na experiência humana em que o ato de despertar pela manhã deixa de ser um reinício e passa a ser sentido como um fardo. Não se trata apenas de sono acumulado ou de uma fadiga muscular passageira. É um peso gravitacional que parece puxar a consciência para baixo, tornando a simples perspectiva de enfrentar o dia uma tarefa hercúlea. Na literatura clínica, frequentemente ouvimos pacientes descreverem essa sensação como se estivessem caminhando submersos em um líquido denso, onde cada movimento exige um dispêndio energético desproporcional ao resultado obtido.

Para a ciência psicológica, essa "morte em vida" ou esse "cansaço de ser" não é um mistério poético, mas um fenômeno fisiológico e comportamental mapeável. Ao consultarmos o DSM-5-TR, o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, identificamos que essa vivência é frequentemente o núcleo do Transtorno Depressivo Maior, caracterizado não apenas pela tristeza, mas fundamentalmente pela anedonia e pelo retardo psicomotor. O apagão das recompensas

Para compreendermos por que viver se torna "demais", precisamos olhar para a mecânica básica de como interagimos com o mundo. B.F. Skinner, o pai do Behaviorismo Radical, em sua obra seminal Ciência e Comportamento Humano, nos ensinou que os organismos se movem movidos por consequências. Nós agimos porque, historicamente, nossas ações produziram alterações no ambiente que foram reforçadoras.

O reforço positivo, termo técnico para qualquer consequência que aumenta a probabilidade de um comportamento se repetir (como o prazer de uma conversa, o sabor de uma comida ou a satisfação de um trabalho bem feito), é o combustível da vida. Quando uma pessoa sente que o esforço de existir é pesado demais, estamos muitas vezes diante de um colapso nesse sistema de trocas. O ambiente parou de fornecer retorno, ou o indivíduo perdeu a sensibilidade a esses retornos.

Imagem do artigo: A gravidade do silêncio

Em um estado depressivo, ocorre o que os analistas do comportamento chamam de extinção. Se você pressiona um interruptor e a luz não acende repetidas vezes, você eventualmente para de pressionar. Quando uma pessoa sente que suas ações não alteram seu sofrimento nem produzem alegria, ela entra em um estado de economia de energia. O comportamento de "tentar" entra em extinção. O cansaço, portanto, é o corpo sinalizando que o custo da resposta é alto demais para um retorno quase nulo. A tríade da desesperança

Enquanto o comportamento desacelera, a mente muitas vezes acelera em uma direção punitiva. Aaron Beck, o fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), identificou que esse peso existencial é sustentado pelo que ele chamou de tríade cognitiva.

Segundo Beck, o indivíduo exausto desenvolve uma visão distorcida e rígida sobre três eixos: ele tem uma visão negativa de si mesmo (vendo-se como inadequado ou defeituoso), uma visão negativa do mundo (interpretando o ambiente como hostil ou exigente demais) e, talvez o mais doloroso, uma visão negativa do futuro.

Esta última é a chave para a sensação de que "viver é demais". Se a lente através da qual o cérebro processa o futuro mostra apenas a continuidade da dor e a ausência de alívio, a motivação biológica para seguir em frente é desligada. O cérebro, tentando nos proteger de frustrações futuras previstas por essa distorção cognitiva (erros sistemáticos no processamento de informações), sugere a paralisação como defesa. A neurobiologia da inércia

Não podemos ignorar que essa batalha ocorre em um substrato biológico. A neurociência contemporânea mostra que essa exaustão profunda tem correlatos físicos. Estudos de neuroimagem indicam que, em estados depressivos severos, há uma hipoatividade no córtex pré-frontal, a área responsável pelo planejamento, tomada de decisão e regulação emocional.

Simultaneamente, pode haver uma hiperatividade na amígdala, uma estrutura do sistema límbico associada ao processamento do medo e da ameaça. É como se o sistema de alarme do prédio estivesse disparado incessantemente (ansiedade e alerta), enquanto o gerente responsável por resolver o problema (o córtex pré-frontal) estivesse dormindo.

Além disso, o desequilíbrio no eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal) resulta em níveis desregulados de cortisol, o hormônio do estresse. O corpo está, literalmente, inflamado e cansado de lutar contra um inimigo invisível. A sensação de peso físico relatada pelos pacientes é real; é a biologia do corpo em modo de "preservação de emergência". Reaprendendo a sentir

Apesar da densidade desse cenário, a ciência do comportamento e a neuropsicologia trazem notícias fundamentadas na evidência da neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de formar novas conexões ao longo da vida.

A saída desse estado de inércia raramente acontece através do pensamento puro, mas sim através da ação. A TCC moderna utiliza uma técnica chamada Ativação Comportamental. A premissa é inverter a lógica de "esperar ter vontade para fazer". Ao realizarmos pequenas ações, mesmo sem vontade e de forma mecânica, começamos a restabelecer contato com potenciais reforçadores naturais do ambiente.

Como nos lembra a Organização Mundial da Saúde (OMS) em seus relatórios sobre saúde mental, a recuperação é um processo, não um evento. A exaustão de existir é validada como uma dor real, mas não como uma sentença perpétua. Compreender que o "peso" é fruto de uma alteração na química, na cognição e nas contingências ambientais retira a culpa do indivíduo e abre espaço para a intervenção terapêutica. A vida pode voltar a ter leveza, não por mágica, mas pela reconstrução sistemática das conexões com o que nos torna humanos.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Aaron T. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artmed, 1997.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-11). Genebra: OMS, 2022.

STAHL, Stephen M. Psicofarmacologia de Stahl: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014 

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