Pai de fim de semana: além da diversão e da culpa

Como a psicologia explica a importância da rotina e do afeto na paternidade intermitente

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 01:13, atualizado em 11/12/2025 às 01:13

Tempo de leitura: 5m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Muitos pais se deparam com a dolorosa imagem da mochila arrumada na sexta-feira à noite. O que se segue são 48 horas de uma convivência comprimida, onde a saudade acumulada durante a semana muitas vezes colide com a falta de rotina compartilhada. No imaginário popular, existe a figura do "pai de fim de semana" que transforma a visita em um parque de diversões contínuo, evitando conflitos a qualquer custo. No entanto, a psicologia clínica nos alerta que essa busca frenética por aprovação pode ser uma armadilha, tanto para o adulto quanto para a criança. A construção de um vínculo seguro não reside na grandiosidade dos eventos, mas na consistência do afeto e das regras.

A armadilha da compensação e a distorção cognitiva

É comum que pais separados, ao receberem os filhos, sintam uma pressão interna esmagadora para que tudo seja perfeito. Aaron Beck, o pai da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), descreveu como nossos pensamentos automáticos influenciam nossas emoções e comportamentos. No caso da paternidade intermitente, o pai pode ser vítima de uma distorção cognitiva — um erro na forma de processar a realidade — chamada de "leitura mental". Ele assume, erroneamente, que se disser "não" a um pedido de doce ou de um brinquedo, o filho pensará que não é amado ou preferirá voltar para a casa da mãe.

Essa crença disfuncional gera ansiedade e leva ao comportamento compensatório: o pai torna-se permissivo em excesso. O perigo aqui é a criação de um ambiente artificial. A criança, por sua vez, pode começar a associar a figura paterna apenas ao lazer e ao consumo, e não à segurança e à orientação. Como Beck sugere em seus manuais clínicos, o desafio é reestruturar esse pensamento: impor limites não é uma rejeição, mas uma forma essencial de cuidado que estrutura a psique da criança.

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A importância da rotina segundo a análise do comportamento

Enquanto a TCC nos ajuda a entender a culpa do pai, a Análise Experimental do Comportamento nos oferece ferramentas para entender o que a criança precisa. B.F. Skinner, em sua obra seminal Ciência e Comportamento Humano, detalha como o ambiente molda nossas ações através de contingências de reforço — a relação entre o que fazemos e a consequência que isso gera.

Quando um pai transforma o fim de semana em uma festa sem regras, ele pode estar operando sob o que chamamos de reforço não contingente. Isso significa entregar recompensas (atenção, presentes, telas ilimitadas) sem que a criança precise emitir comportamentos adequados ou seguir combinados mínimos. Embora pareça generoso, Skinner alertaria que isso priva a criança da oportunidade de aprender a lidar com frustrações e a cooperar.

Além disso, a falta de previsibilidade gera ansiedade. Murray Sidman, outro gigante do comportamentalismo e autor de Coerção e suas Implicações, argumenta que ambientes onde as regras não são claras (ou mudam o tempo todo) são aversivos. Para a criança, saber que na casa do pai também existe hora para dormir, escovar os dentes e guardar os brinquedos cria uma sensação de segurança. A rotina não é inimiga da diversão; ela é a estrutura que permite que a diversão aconteça sem o caos emocional do domingo à noite. O papel do ambiente suficientemente bom

Saindo do tecnicismo estrito e olhando para o desenvolvimento emocional, podemos evocar o conceito de Donald Winnicott sobre a "mãe (ou pai) suficientemente bom". Não se exige perfeição ou entretenimento constante. O que a criança necessita é de presença autêntica. A neurobiologia do apego nos mostra que o cérebro infantil se regula através da corregação com o cuidador.

Isso não acontece necessariamente na montanha-russa, mas no momento calmo de ler um livro juntos ou preparar o café da manhã. O DSM-5-TR, manual diagnóstico utilizado globalmente, ao descrever transtornos de adaptação, reforça que a estabilidade do suporte social é um fator protetor crucial. Portanto, a qualidade do tempo não deve ser medida pela quantidade de dinheiro gasto ou pela euforia gerada, mas pela disponibilidade emocional do pai em ouvir, acolher e, sim, frustrar quando necessário. Conclusão

Ser um pai presente em dias alternados é um desafio que exige renegociar a própria identidade parental. A dor da separação física é real e válida, mas não deve ser o motor das interações com os filhos. A ciência do comportamento e a psicologia cognitiva nos mostram que a neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de mudar e aprender — permite que vínculos profundos sejam formados em qualquer configuração familiar.

Ao trocar a culpa pela responsabilidade e o "parque de diversões" pela "vida real compartilhada", o pai oferece ao filho o maior presente possível: a certeza de que ele é amado não apenas quando está se divertindo, mas também na simplicidade da rotina. A paternidade não se mede pelo calendário, mas pela consistência do amor e da orientação.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. Campinas: Livro Pleno, 2009.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

WINNICOTT, Donald W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 

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