O algoritmo da intimidade: é possível fabricar o amor com 36 perguntas?

A psicologia experimental de Arthur Aron e o poder da autoexposição vulnerável

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 02:04, atualizado em 11/12/2025 às 02:04

Tempo de leitura: 6m

Foto do profissional Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social
Durante séculos, poetas e artistas trataram o amor como um fenômeno etéreo, fruto do destino ou de uma "química" inexplicável. No entanto, no final da década de 1990, o psicólogo Arthur Aron e sua equipe decidiram levar o romance para o laboratório. A hipótese era audaciosa: seria possível criar um vínculo profundo entre dois estranhos apenas manipulando o nível de troca de informações entre eles? A resposta resultou em um dos experimentos mais fascinantes da psicologia social, provando que a intimidade não é apenas um sentimento, mas um comportamento que pode ser modelado e induzido.
A ciência da vulnerabilidade progressiva
O estudo de Aron baseia-se em um princípio comportamental sólido: a autoexposição recíproca. Em interações sociais comuns, tendemos a manter um escudo protetor, revelando apenas informações superficiais (o clima, a profissão, o trânsito). O protocolo de Aron quebra esse padrão ao forçar, de maneira estruturada, um mergulho na vulnerabilidade.
Do ponto de vista da Análise do Comportamento, o questionário funciona através de um processo de modelagem. As perguntas começam triviais e, gradativamente, tornam-se mais intrusivas e emocionais. Isso cria um ambiente seguro onde cada resposta "arriscada" de um participante é acolhida pelo outro, gerando um reforço positivo imediato de aceitação. B.F. Skinner argumentaria que a intimidade é o produto dessa história de reforçamento mútuo: eu mostro uma fraqueza, você não me julga, e o vínculo se fortalece.
Derrubando muros cognitivos
Sob a ótica da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o experimento ataca as crenças centrais de isolamento e desconfiança. Muitos de nós operamos com a distorção cognitiva de que "se as pessoas souberem quem eu realmente sou, elas me rejeitarão". As 36 perguntas desmontam essa falácia em tempo real.
Ao compartilhar medos, sonhos e memórias dolorosas, os participantes experimentam o que a psicologia chama de validação emocional. O clímax do estudo não são apenas as perguntas, mas a tarefa final: olhar nos olhos do parceiro por quatro minutos em silêncio. Esse ato remove a última defesa — a linguagem verbal — e obriga uma conexão neurológica profunda, ativando áreas do cérebro ligadas à empatia e ao reconhecimento social.
Abaixo, apresento o protocolo completo utilizado por Arthur Aron. Ele é dividido em três séries, cada uma mais intensa que a anterior.
O Protocolo de Arthur Aron (As 36 Perguntas)
Série I: O Quebra-Gelo
  1. Se você pudesse escolher qualquer pessoa no mundo, quem convidaria para jantar?

  2. Você gostaria de ser famoso? De que maneira?

  3. Antes de fazer uma ligação telefônica, você ensaia o que vai falar? Por quê?

  4. O que constituiria um dia "perfeito" para você?

  5. Quando foi a última vez que você cantou sozinho? E para outra pessoa?

  6. Se você pudesse viver até os 90 anos e manter a mente ou o corpo de uma pessoa de 30 anos pelos últimos 60 anos de sua vida, qual dos dois escolheria?

  7. Você tem um pressentimento secreto sobre como vai morrer?

  8. Cite três coisas que você e seu parceiro parecem ter em comum.

  9. Pelo que você se sente mais grato em sua vida?

  10. Se pudesse mudar algo sobre a maneira como foi criado, o que seria?

  11. Em quatro minutos, conte a seu parceiro a história de sua vida com o máximo de detalhes possível.

  12. Se você pudesse acordar amanhã com uma qualidade ou habilidade nova, qual seria?

Série II: Aprofundando o Vínculo
  1. Se uma bola de cristal pudesse contar a verdade sobre você, sua vida, o futuro ou qualquer outra coisa, o que você gostaria de saber?

  2. Há algo que você sonha em fazer há muito tempo? Por que ainda não o fez?

  3. Qual é a maior realização de sua vida?

  4. O que você mais valoriza em uma amizade?

  5. Qual é a sua memória mais querida?

  6. Qual é a sua memória mais terrível?

  7. Se você soubesse que iria morrer subitamente daqui a um ano, mudaria algo na maneira como vive agora? Por quê?

  8. O que a amizade significa para você?

  9. Qual o papel do amor e da afeição em sua vida?

  10. Alternem compartilhando algo que consideram uma característica positiva do seu parceiro. Compartilhem um total de cinco itens.

  11. Quão próxima e calorosa é sua família? Você sente que sua infância foi mais feliz que a da maioria das outras pessoas?

  12. Como você se sente em relação ao seu relacionamento com a sua mãe?

Série III: A Vulnerabilidade Total
  1. Façam três declarações verdadeiras usando "nós". Por exemplo: "Nós estamos nesta sala sentindo..."

  2. Complete esta frase: "Eu gostaria de ter alguém com quem pudesse compartilhar..."

  3. Se você fosse se tornar um amigo muito próximo de seu parceiro, compartilhe o que seria importante que ele ou ela soubesse.

  4. Diga ao seu parceiro o que você gosta nele; seja muito honesto desta vez, dizendo coisas que você não diria a alguém que acabou de conhecer.

  5. Compartilhe com seu parceiro um momento embaraçoso de sua vida.

  6. Quando foi a última vez que você chorou na frente de outra pessoa? E sozinho?

  7. Diga ao seu parceiro algo que você já gosta nele.

  8. O que, se é que existe algo, é sério demais para se fazer piada a respeito?

  9. Se você morresse esta noite sem poder se comunicar com ninguém, o que mais se arrependeria de não ter dito a alguém? Por que não disse ainda?

  10. Sua casa, contendo tudo o que você possui, pega fogo. Depois de salvar seus entes queridos e animais de estimação, você tem tempo para fazer uma última incursão e salvar um único objeto. O que seria e por quê?

  11. De todas as pessoas em sua família, a morte de quem seria mais perturbadora para você? Por quê?

  12. Compartilhe um problema pessoal e peça o conselho do seu parceiro sobre como ele ou ela lidaria com isso. Peça também para o parceiro refletir de volta para você como você parece estar se sentindo sobre o problema que escolheu.

(Etapa Final Obrigatória: Olhar nos olhos do parceiro por 4 minutos ininterruptos, em silêncio).
Conclusão
O experimento de Arthur Aron prova que o amor não precisa ser um acidente geográfico ou temporal; ele pode ser uma construção deliberada. Ao removermos as barreiras defensivas e permitirmos que o outro veja nossa humanidade crua, criamos o terreno fértil para o apego.
Seja para iniciar um novo romance ou para reacender a chama em um casamento de décadas, a lição da psicologia é clara: a conexão reside na coragem de ser visto. As 36 perguntas são apenas o mapa; a viagem, no entanto, exige a disposição de baixar a guarda.
Referências
 
ARON, Arthur et al. The Experimental Generation of Interpersonal Closeness: A Procedure and Some Preliminary Findings. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 23, n. 4, p. 363-377, 1997.

CATRON, Mandy Len. To Fall in Love With Anyone, Do This. The New York Times, New York, 9 jan. 2015. Modern Love.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

Este artigo foi útil para você?

Não me ajudou
Me ajudou muito

Você é psicólogo e quer ter mais visibilidade?

Apareça no Google como este artigo — sem pagar anúncios.

Quero saber mais e me cadastrar
Se você está passando por uma crise suicida, ligue para o CVV. O atendimento é realizado pelo site www.cvv.org.br. ou no telefone 188, a ligação é gratuita, 24h. Em caso de emergência, procure o hospital mais próximo. Havendo risco de morte, ligue para o SAMU no telefone 192.