No tribunal da vida real, não estamos aqui para negar o óbvio. Agressão é agressão e o dano causado à vítima é real, doloroso e inaceitável. Contudo, como especialistas que defendem a verdade científica, precisamos ter a coragem de separar o joio do trigo. Existe uma diferença abissal entre o agressor perverso, que fere porque quer controlar, e o paciente psiquiátrico refratário, que fere porque seu sistema biológico e social colapsou. Afirmamos com total convicção técnica que é possível que um indivíduo agrida quem ama sem ter qualquer gota de maldade em sua intenção. O surto não é uma escolha moral, mas o resultado catastrófico de uma cadeia de falhas que vai muito além da vontade do sujeito.
A primeira prova da defesa reside na mecânica da psicopatologia não psicótica. Estamos falando de pessoas com transtorno bipolar ou personalidade borderline. Elas não estão fora da realidade, pois sabem quem são e onde estão. O problema é mecânico. No cérebro dessas pessoas, a amígdala, que é o sensor de perigo, é sensível demais. Robert Sapolsky explica que, durante uma crise de estresse, a parte racional do cérebro sofre um apagão elétrico por falta de química. O indivíduo não escolhe gritar ou quebrar um objeto. Ele é sequestrado por um instinto de sobrevivência primitivo e reage a uma ameaça interna avassaladora. Dizer que ele poderia ter se controlado naquele segundo exato é biologicamente ignorante, assim como é ignorante exigir que um epilético pare de tremer pela força do pensamento.
A segunda prova é a armadilha farmacológica e financeira. O público julga dizendo que se ele toma remédio, não deveria surtar. Isso é falso. A ciência farmacogenética, detalhada por Stephen Stahl, mostra que muitos pacientes possuem um metabolismo que destrói o remédio antes que ele funcione. Outros sofrem com a resistência biológica, onde o lítio ou o valproato simplesmente não fazem efeito. Somado a isso, temos a barreira do dinheiro. O tratamento que funciona, como a terapia comportamental dialética ou DBT, é caríssimo. O sistema oferece consultas de quinze minutos que geram diagnósticos errados e prescrições de antidepressivos que, em vez de acalmar, causam a virada maníaca e induzem a raiva quimicamente. O paciente tenta se tratar, mas a medicina e a economia falham com ele. Ele não é negligente, mas sim uma vítima da ineficácia do tratamento disponível.
A terceira prova é a dinâmica de exaustão mútua. Não vamos culpar a família, mas precisamos ser realistas. O comportamento de todos influencia a todos. Como o paciente não melhora pelos motivos médicos citados, a família cansa e a paciência acaba. O ambiente se torna hostil. Quando o paciente percebe a rejeição ou a raiva nos olhos de quem ama, isso atua como o gatilho final para o colapso. O ataque de fúria acontece na pior hora não por maldade, mas porque a rede de segurança emocional rompeu por fadiga de material humano de ambos os lados.
Por fim, a prova cabal da ausência de maldade é o arrependimento genuíno. Diferente do psicopata, que dorme tranquilo ou culpa a vítima após a agressão, o paciente em colapso entra em sofrimento agudo assim que a química cerebral estabiliza. Os sinais clínicos desse arrependimento são claros e devastadores. Há uma vergonha tóxica imediata. O indivíduo sente nojo de si mesmo. Ele busca reparação desesperada. Ele pede ajuda médica ou internação porque tem medo do próprio cérebro. Ele não tenta justificar o ato culpando o outro racionalmente, mas assume a culpa com um peso que muitas vezes leva à depressão grave. Esse sofrimento pós-crise é a maior evidência de que a agressão não era o desejo dele, mas sim um sintoma que escapou ao seu controle.
Portanto, a sentença final deve ser clara. O indivíduo é responsável pelas consequências de seus atos e deve buscar reparação, mas ele não é culpado de ter uma intenção maligna. Ele é um refém de uma biologia quebrada, de remédios ineficazes e de um sistema falho. Reconhecer isso não é ser conivente com a violência. É ter a honestidade intelectual de tratar uma doença grave com a seriedade clínica que ela exige, separando o caráter da pessoa dos sintomas de sua patologia.