Guerra na sala de estar: por que as brigas entre irmãos são vitais

O conflito doméstico como o primeiro laboratório de inteligência social e negociação

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 01:37, atualizado em 11/12/2025 às 01:37

Tempo de leitura: 4m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Para a maioria dos pais, o som de uma discussão entre filhos é o ruído do caos. Gritos de "é meu!", portas batendo e acusações de injustiça parecem sinais de uma falha na educação doméstica. No entanto, se baixarmos o volume da nossa ansiedade parental e observarmos com a lente da psicologia clínica, veremos algo fascinante. A sala de estar não é um campo de batalha desordenado; é um laboratório social sofisticado. É entre quatro paredes, na segurança do vínculo familiar, que a criança experimenta, pela primeira vez, a colisão entre o seu desejo e o desejo do outro. A rivalidade, longe de ser apenas um incômodo, é o motor primário para o desenvolvimento da assertividade e da empatia. A economia da atenção segundo Skinner

Para entender por que irmãos brigam, precisamos olhar para os recursos disponíveis no ambiente. B.F. Skinner, em Ciência e Comportamento Humano, nos ensina que o comportamento é regido por reforçadores — consequências que aumentam a probabilidade de uma ação se repetir. Em uma família, o recurso mais escasso e valioso não é o videogame ou o último pedaço de bolo, mas a atenção dos pais.

Muitas vezes, a briga é um comportamento operante mantido pelo que chamamos de reforço positivo de atenção. Se dois irmãos estão brincando em silêncio, os pais geralmente os ignoram (aproveitando a paz). Mas, no momento em que o grito acontece, os pais intervêm imediatamente. A lição comportamental aprendida é: "A cooperação me torna invisível; o conflito me traz a plateia". Skinner alertaria que, para mudar essa dinâmica, os pais precisam inverter a contingência, oferecendo atenção e elogios nos momentos de colaboração, e não apenas atuando como juízes nos momentos de crise.

O tribunal da justiça e as distorções cognitivas

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Além da busca por atenção, a rivalidade é alimentada pela percepção aguda (e muitas vezes falha) de justiça. Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), descreve como nossos pensamentos automáticos interpretam a realidade. Irmãos são mestres em uma distorção cognitiva específica chamada "filtro mental" — a tendência de focar exclusivamente em um detalhe negativo e ignorar todo o resto.

A criança olha para o prato do irmão e, milimetricamente, calcula que ele recebeu três ervilhas a menos, concluindo: "Eles amam mais ele do que eu". Beck diria que o papel dos pais não é redistribuir as ervilhas para provar igualdade, mas ajudar a criança a fazer uma reestruturação cognitiva. O objetivo é questionar a validade desse pensamento: "Será que quantidade de comida é igual a quantidade de amor?". Esse exercício diário de desafiar a "injustiça percebida" é o treino que prepara o indivíduo para lidar com chefes, cônjuges e amigos na vida adulta, onde a equidade absoluta raramente existe. Agressividade funcional e limites

É tentador silenciar qualquer conflito, mas a ausência total de atrito pode ser tão prejudicial quanto o excesso dele. A psicologia do desenvolvimento sugere que é na disputa pelo controle remoto ou na negociação de quem toma banho primeiro que a criança treina habilidades de resolução de problemas. O DSM-5-TR, ao categorizar transtornos disruptivos, nos ajuda a diferenciar o que é comportamento agressivo patológico do que é a defesa saudável de limites.

Um irmão que diz "não mexe nas minhas coisas" está exercitando a assertividade — a capacidade de expressar direitos e sentimentos de forma direta, sem violar o direito do outro. Se os pais intervêm prematuramente, "limpando o terreno" e forçando uma paz artificial, a criança perde a oportunidade de calibrar sua força e sua retórica. O lar deve ser o lugar seguro onde se pode errar na dose da raiva e aprender a pedir desculpas, algo muito mais custoso de aprender no ambiente escolar ou profissional. Conclusão

Encarar a rivalidade entre irmãos como um "curso intensivo de diplomacia" muda a forma como os pais reagem. Em vez de atuarem como policiais que reprimem o tumulto, podem atuar como mediadores que facilitam o diálogo. A próxima briga não é um sinal de que a família desmoronou, mas uma evidência de que as crianças estão testando as fronteiras do seu poder social.

Ao sobreviverem às guerras pelo controle da TV e às disputas territoriais no banco de trás do carro, os irmãos levam para a vida adulta um presente inestimável: a certeza de que é possível divergir, brigar e, ainda assim, continuar amando e pertencendo ao mesmo time.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

WRIGHT, Robert. O Animal Moral: Por que somos como somos. Rio de Janeiro: Campus, 1996. 

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