Fome de amor: quando a carência vira um sintoma clínico

Como a psicologia explica o vazio emocional que nenhum relacionamento consegue preencher

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 02:02, atualizado em 11/12/2025 às 02:02

Tempo de leitura: 5m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Todos nós, sem exceção, somos mamíferos sociais programados para buscar conexão. O desejo de ser visto, ouvido e validado não é uma falha, é uma necessidade biológica tão premente quanto a fome ou a sede. No entanto, para algumas pessoas, essa necessidade deixa de ser um desejo saudável de vínculo e se transforma em um poço sem fundo. A carência afetiva excessiva atua como uma espécie de "diabetes emocional": o indivíduo consome grandes quantidades de afeto, mas seu sistema psíquico é incapaz de metabolizá-lo, mantendo-o em um estado perpétuo de inanição. A psicologia clínica nos ajuda a entender que esse vazio não se resolve com mais amor vindo de fora, mas com o conserto da estrutura interna que recebe esse afeto.

A lógica da privação na análise do comportamento

Para entender o desesperado pedido de atenção do carente, recorremos a B.F. Skinner. Em Ciência e Comportamento Humano, ele descreve o conceito de privação, um estado que aumenta a eficácia de um reforçador. Uma pessoa que ficou três dias sem água fará qualquer coisa por um copo d’água. Da mesma forma, um indivíduo que cresceu em um ambiente de negligência emocional vive em estado de privação afetiva crônica.

Para essa pessoa, qualquer migalha de atenção — um olhar, uma mensagem de texto, um elogio — torna-se um reforçador de magnitude desproporcional. O comportamento de "grudar" no parceiro ou cobrar atenção constante é mantido pelo que Skinner chama de reforço intermitente. Como a atenção do outro às vezes vem e às vezes não, o indivíduo intensifica seus esforços, tornando-se hipervigilante. A tragédia comportamental aqui é que a insistência excessiva (ligar dez vezes, perguntar "você me ama?" a cada hora) muitas vezes torna-se aversiva para o parceiro, gerando o afastamento que a pessoa carente mais teme, criando um ciclo de profecia autorrealizável. Crenças centrais de desamor e esquemas iniciais

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Enquanto o comportamento explica a busca, a cognição explica a dor. Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), e posteriormente Jeffrey Young, criador da Terapia do Esquema, mapearam a arquitetura mental da carência. No centro desse sofrimento, geralmente habita uma crença central de desamor.

Trata-se de uma certeza absoluta, embora inconsciente, de que "eu não sou digno de ser amado" ou "eu serei inevitavelmente abandonado". Young categoriza isso como o esquema de Privação Emocional. Quem opera sob esse esquema possui um filtro mental distorcido: a pessoa ignora as dez vezes em que foi acolhida e foca obsessivamente na única vez em que o parceiro estava cansado e ficou em silêncio. O silêncio do outro não é interpretado como cansaço, mas como prova cabal de rejeição. Essa distorção cognitiva gera uma ansiedade constante, onde o indivíduo precisa de "doses" externas de tranquilização para calar, momentaneamente, a voz interna que diz que ele ficará sozinho.

Quando a carência cruza a linha do diagnóstico

É importante distinguir a carência situacional (comum após um divórcio ou luto) da patológica. O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) nos oferece critérios para identificar quando a necessidade de afeto se torna um transtorno, como no Transtorno da Personalidade Dependente.

Nesse quadro, a "fome" é tão intensa que anula a autonomia. O indivíduo tem dificuldade de tomar decisões cotidianas sem uma quantidade excessiva de conselhos e tranquilização de outros. Ele pode se submeter a tarefas desagradáveis ou relacionamentos abusivos apenas para obter apoio e evitar a solidão. A carência, aqui, é um sintoma de um "eu" que não se sustenta em pé sozinho. A neurobiologia do apego sugere que o sistema de recompensa dessas pessoas está desregulado, buscando a ocitocina e a dopamina do vínculo social com a mesma urgência que um dependente químico busca a substância, gerando crises de abstinência na ausência do outro. Conclusão

A cura para a carência afetiva aguda não está em encontrar o "príncipe encantado" ou a "alma gêmea", pois não existe parceiro humano capaz de preencher um buraco que é estrutural. O tratamento psicológico envolve ensinar o paciente a se tornar a sua própria fonte primária de nutrição emocional.

É um processo de "reparentalização", onde o adulto aprende a acolher a sua criança interior ferida, validando suas próprias dores sem depender exclusivamente do espelho social. Ao descobrir que é possível sobreviver à solidão e que a própria companhia pode ser um lugar seguro, a pessoa deixa de ser um mendigo emocional para se tornar um parceiro capaz de trocar afeto, e não apenas de o demandar desesperadamente.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

YOUNG, Jeffrey E.; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do Esquema: Guia de Técnicas Cognitivo-Comportamentais Inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008. 

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