O intruso ou o aliado? A ciência da nova configuração familiar

Navegando o conflito de lealdade e a adaptação comportamental na chegada de padrastos e madrastas

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 01:19, atualizado em 11/12/2025 às 01:19

Tempo de leitura: 4m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

A introdução de um novo parceiro na equação familiar é, talvez, um dos momentos neurobiológicos e emocionais mais complexos após o divórcio. Não se trata apenas de um jantar de apresentação; trata-se da inserção de um novo estímulo em um ambiente que a criança considera seu território de segurança. Culturalmente, somos bombardeados por contos de fadas que vilanizam a figura da madrasta ou do padrasto, criando um "priming" — uma predisposição cognitiva negativa — antes mesmo do primeiro aperto de mão. A psicologia clínica, no entanto, nos oferece um mapa para transformar essa potencial invasão em uma ampliação saudável da rede de afeto. O conflito de lealdade e a distorção cognitiva

Para a criança, gostar do novo namorado da mãe ou da nova esposa do pai pode ser sentido, internamente, como um ato de traição ao genitor biológico "substituído". Aaron Beck, o pai da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), ajuda-nos a entender que esse sofrimento nasce de uma crença central disfuncional: a ideia de que o amor é um recurso finito, como uma torta que, se dividida, deixa pedaços menores para os outros.

Essa crença gera o que Beck chama de pensamento dicotômico (ou tudo-ou-nada). A criança raciocina: "Se eu me divirto com meu padrasto, estou magoando meu pai". O papel dos adultos é desafiar essa distorção não com discursos lógicos longos, mas com validação emocional. É crucial que o genitor biológico dê a "permissão afetiva" para que o vínculo ocorra, desativando o sistema de alerta da criança. Sem essa validação, a criança permanece em um estado de dissonância cognitiva, onde suas ações (conviver com o novo parceiro) entram em conflito com suas crenças (devo lealdade total ao meu pai/mãe).

A construção do vínculo via aproximação sucessiva

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Do ponto de vista da Análise Experimental do Comportamento, o erro mais comum é tentar forçar a intimidade. B.F. Skinner, em seus estudos sobre modelagem de comportamento, ensina que relações complexas são construídas através de aproximações sucessivas. Tentar impor que a criança chame o novo parceiro de "pai" ou "mãe", ou exigir abraços e beijos logo de cara, é ignorar a história de reforçamento daquela criança.

O novo parceiro deve atuar, inicialmente, como um estímulo neutro que gradualmente se associa a reforçadores positivos. Skinner chamaria isso de emparelhamento. Se a presença do padrasto está sempre associada a cobranças, disciplina ou à retirada da atenção da mãe, ele se torna um estímulo aversivo. A estratégia correta é o novo parceiro entrar na rotina através de atividades prazerosas e de baixa demanda emocional, deixando a disciplina pesada, inicialmente, a cargo do genitor biológico. O vínculo deve ser conquistado, não imposto por decreto. O impacto da vitrine digital

Na era da comunicação instantânea, um novo desafio surge: a "família perfeita do Instagram". Muitas vezes, a criança descobre a profundidade do relacionamento do pai ou da mãe através de uma foto postada nas redes sociais antes de ter tempo de processar a informação presencialmente. Ver o genitor feliz com outra pessoa na tela, enquanto a criança ainda lida com o luto da separação em casa, pode ser devastador.

Isso cria uma discrepância entre a realidade vivida e a realidade virtual, exacerbando a ansiedade. O DSM-5-TR, ao abordar estressores relacionais, sugere que a previsibilidade diminui a ansiedade. Surpresas digitais rompem essa previsibilidade. A introdução deve ser analógica, olho no olho, respeitando o tempo de processamento neural da criança, e não o tempo do algoritmo das redes sociais. Conclusão

A neurociência moderna nos assegura que o cérebro humano tem uma plasticidade social incrível; somos biologicamente programados para formar múltiplos vínculos de apego. O amor não se divide, ele se multiplica, desde que o terreno seja preparado com paciência. O sucesso da integração de um novo parceiro não depende da rapidez com que a criança o aceita, mas da constância e do respeito com que os adultos conduzem o processo.

Quando o padrasto ou a madrasta entendem que não vieram para substituir, mas para somar, e quando os pais biológicos autorizam esse afeto sem culpa, a estrutura familiar não se rompe. Ela evolui. A criança descobre que seu coração é grande o suficiente para acomodar mais pessoas, sem despejar ninguém.

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. texto rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Judith S. Terapia Cognitiva: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

PAPALIA, Diane E.; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

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