No calor de um conflito conjugal, a capacidade de raciocínio lógico muitas vezes cede lugar a reações viscerais. É nesses momentos de alta ativação emocional que uma das armadilhas psicológicas mais perigosas para o relacionamento se manifesta com força total: a leitura mental. Na Psicologia Clínica, definimos essa distorção cognitiva como a crença quase inabalável de que sabemos o que o parceiro está pensando ou sentindo, e quais são suas intenções ocultas, sem que ele precise verbalizá-las. É o clássico "eu sei exatamente por que você fez isso". Aprofundar a compreensão desse fenômeno, unindo as perspectivas de Aaron Beck e B.F. Skinner, é essencial para desarmar brigas que poderiam escalar para danos irreparáveis.
Sob a ótica da Terapia Cognitivo-Comportamental, Aaron Beck identificou que, durante o estresse, nosso processamento de informações se torna rígido e enviesado. Não estamos mais avaliando a situação com neutralidade; estamos buscando confirmar nossos piores temores. Os pensamentos automáticos, que são aquelas interpretações rápidas e involuntárias que surgem em nossa mente, tornam-se sentenças condenatórias. Se o parceiro olha para o lado durante uma discussão, a leitura mental imediata pode ser "ele não se importa com o que estou dizendo" ou "ele está me desprezando". Beck nos ensina que, no conflito, perdemos a capacidade de testar a realidade e passamos a tratar nossas suposições como fatos absolutos. Acreditamos na nossa própria narrativa interna mais do que na pessoa à nossa frente.
Simultaneamente, a Análise Experimental do Comportamento nos ajuda a entender por que mantemos esse comportamento tão destrutivo. B.F. Skinner argumentaria que a leitura mental, apesar de nociva a longo prazo, possui uma função imediata para quem a pratica. Frequentemente, ela serve como um mecanismo de defesa ou esquiva. Perguntar diretamente ao outro "o que você está sentindo agora?" ou "qual foi sua intenção ao dizer isso?" exige vulnerabilidade e abre a possibilidade de ouvir uma resposta dolorosa. Assumir o pior, paradoxalmente, pode parecer mais seguro e rápido do que lidar com a incerteza da investigação. Além disso, se no passado do casal as tentativas de comunicação direta foram punidas com sarcasmo ou mais brigas, o comportamento de supor se fortalece como uma forma de evitar essa punição.
O perigo reside no fato de que a leitura mental gera uma profecia autorrealizável. Se eu suponho que meu parceiro está me atacando, agirei defensivamente ou contra-atacarei, o que provavelmente levará o parceiro a realmente se tornar hostil, confirmando minha suposição inicial errônea. Esse ciclo de interações negativas, se crônico, enquadra-se perfeitamente na condição de Problemas de Relacionamento com o Cônjuge ou Parceiro, que é detalhada no DSM-5-TR (código Z63.0 ou seção Outras Condições que Podem Ser Foco de Atenção Clínica) e é classificada como Problema associado a interações interpessoais com cônjuge ou parceiro no CID-11 (código QE52), correspondendo ao CID-10 (código Z63.0). A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o impacto direto dessas dinâmicas na saúde mental global dos indivíduos.
Para intervir nesse processo durante um conflito acalorado, é necessário um esforço consciente de "parada tática". A primeira ferramenta é reconhecer a ativação fisiológica da raiva ou do medo e dar um passo atrás, literalmente se necessário, pedindo uma pausa na discussão. Nesse intervalo, o indivíduo deve aplicar o questionamento socrático de Beck aos seus próprios pensamentos: "Quais evidências reais eu tenho de que ele está pensando isso? Existe alguma outra explicação possível para esse comportamento?". O objetivo é reintroduzir a dúvida onde antes havia certeza absoluta.
O segundo passo, informado pela análise comportamental, é substituir a suposição interna pela observação externa e pela comunicação assertiva. Em vez de dizer "você está tentando me irritar de propósito", o que é uma leitura mental acusatória, deve-se descrever o comportamento observável e o sentimento próprio: "Quando você levanta a voz, eu me sinto acuado e tenho dificuldade de ouvir". Isso muda o foco da intenção suposta do outro para o impacto real da ação sobre você. Skinner diria que estamos mudando as contingências da conversa, saindo de um padrão de ataque e defesa para um padrão de descrição e pedido.
Concluímos que parar de ler a mente é um ato de humildade intelectual e coragem emocional. É admitir que, por mais que conheçamos o parceiro, nunca teremos acesso direto à sua subjetividade. A neuroplasticidade nos garante que, embora difícil, é possível reconfigurar esses caminhos neurais automáticos de julgamento. Ao escolher, repetidamente, a pergunta curiosa em vez da suposição arrogante, o casal constrói uma ponte de entendimento sobre o abismo do conflito, transformando momentos de desconexão potencial em oportunidades de intimidade real.
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