O labirinto de nós mesmos: entre escolhas e escolhas de escolhas

Uma análise da liberdade vigiada sob as lentes do behaviorismo radical, da terapia cognitiva e da neurociência das decisões

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

08/12/2025 às 17:11, atualizado em 08/12/2025 às 17:11

Tempo de leitura: 4m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

1- A soma vetorial do passado

Existe uma angústia peculiar que nos assalta nas horas mortas da madrugada, uma sensação de que nossa vida presente não é um campo aberto de possibilidades, mas um corredor estreito esculpido por cada "sim" e cada "não" que dissemos anos atrás. A ideia de que somos "eternos reféns de nossas escolhas" ressoa profundamente porque toca na ferida narcísica da nossa suposta autonomia. Sentimo-nos, paradoxalmente, autores e vítimas da própria biografia. A psicologia clínica e as neurociências modernas sugerem que essa sensação não é infundada, mas a mecânica que nos prende é muito mais complexa e fascinante do que um simples determinismo fatalista.

2- As correntes invisíveis do reforço Para entender por que repetimos padrões que juramos abandonar, precisamos revisitar a obra de B.F. Skinner. Em seu livro Beyond Freedom and Dignity (Para Além da Liberdade e da Dignidade), Skinner argumenta que a noção romântica de um "eu livre" que decide no vácuo é uma ilusão pré-científica. Para a Análise Experimental do Comportamento, nossas "escolhas" atuais são, em grande parte, o resultado da nossa história de reforçamento.

Isso significa que, se no passado uma determinada escolha (por exemplo, evitar um confronto difícil) trouxe alívio imediato — o que chamamos de reforço negativo —, nosso organismo aprendeu a repetir esse comportamento. Tornamo-nos "reféns" não da escolha em si, mas das consequências que a moldaram. Cada vez que escolhemos o caminho de menor resistência e somos recompensados por isso, a probabilidade de escolhermos um caminho diferente e mais saudável no futuro diminui. Estamos presos em uma teia de contingências que nós mesmos, em interação com o ambiente, ajudamos a tecer.

3- O mapa cognitivo do cárcere Se Skinner nos mostra as grades externas do comportamento, Aaron Beck, o pai da Terapia Cognitivo-Comportamental, ilumina as trancas internas. Nossas escolhas passadas não apenas moldam comportamentos; elas solidificam o que Beck chamou de esquemas cognitivos. Estas são estruturas mentais rígidas, formas de perceber a si mesmo e ao mundo, forjadas a partir de experiências precoces e repetidas.

Imagem do artigo: O labirinto de nós mesmos: entre escolhas e escolhas de escolhas

Se, por exemplo, escolhas passadas levaram a fracassos dolorosos, o indivíduo pode desenvolver uma crença nuclear de incompetência ("eu não sou capaz"). Uma vez instalada, essa crença atua como um filtro seletivo. O cérebro passa a ignorar evidências de sucesso e a magnificar qualquer sinal de erro. O indivíduo torna-se refém de suas escolhas porque sua própria mente sabota a percepção de novas alternativas. Ele não escolhe o fracasso hoje porque quer, mas porque seu esquema cognitivo não lhe permite visualizar o sucesso como uma opção viável.

4 - A neurobiologia do hábito Do ponto de vista das neurociências, ser refém de escolhas passadas é uma questão de eficiência energética. O cérebro humano é uma máquina de prever e automatizar. Quando fazemos uma escolha repetidamente, criamos e fortalecemos caminhos neurais específicos, um processo conhecido como potenciação de longa duração.

Com o tempo, comportamentos que antes exigiam deliberação consciente do córtex pré-frontal (a área executiva do cérebro, responsável pelo planejamento) são transferidos para estruturas mais primitivas e automáticas, como os gânglios da base. O que era uma "escolha" torna-se um hábito. A sensação de estar preso ocorre porque tentar mudar uma rota neural consolidada exige um gasto energético massivo e consciente, lutando contra a própria biologia que prefere o caminho já asfaltado da repetição, mesmo que esse caminho leve ao sofrimento.

5 - A chave da cela A constatação de que somos moldados por nossa história biológica e ambiental pode parecer desoladora, mas é justamente aí que reside a verdadeira esperança clínica. Se fôssemos reféns de um "destino" místico, nada poderia ser feito. Mas, sendo reféns de processos de aprendizagem e neurobiologia, temos uma saída.

A ciência da mudança baseia-se na neuroplasticidade — a capacidade vitalícia do cérebro de reorganizar suas conexões. Não podemos apagar as escolhas do passado, mas podemos, através de intervenções estruturadas como a TCC e a ativação comportamental, começar a construir novas histórias de reforçamento e desafiar crenças antigas. A liberdade não é a ausência de influência do passado, mas a habilidade desenvolvida de notar essas influências e, no momento presente, fazer uma escolha ligeiramente diferente, plantando a semente de um futuro novo, um milímetro de cada vez.

Referências
BECK, Aaron T. Terapia Cognitiva da Depressão. Porto Alegre: Artmed, 1997.

BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021.

KANDEL, Eric R. Em Busca da Memória: O Nascimento de uma Nova Ciência da Mente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SKINNER, Burrhus Frederic. O Mito da Liberdade. Rio de Janeiro: Bloch, 1977.

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