As correntes invisíveis da desistência

O mecanismo do desamparo aprendido e a neurobiologia da passividade na depressão

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

08/12/2025 às 16:27, atualizado em 08/12/2025 às 16:27

Tempo de leitura: 4m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

1 - O aprendizado da impotência Há uma tragédia silenciosa que ocorre muito antes de o corpo desistir: é o momento em que a mente se convence de que qualquer esforço é inútil. Na psicologia clínica, não chamamos isso de preguiça ou falta de caráter, mas de desamparo aprendido. Este fenômeno explica por que alguém, mesmo diante de uma porta aberta para a saída, permanece imóvel no sofrimento. É a convicção profunda, gravada na arquitetura neural, de que o desfecho negativo é inevitável, independentemente do que se faça.

2- A gênese da paralisia O conceito foi cunhado na década de 1960 pelos pesquisadores Martin Seligman e Steven Maier. Em experimentos clássicos (que hoje evitamos por ética, mas cujos dados são fundamentais), cães submetidos a estímulos aversivos incontroláveis paravam de tentar escapar, mesmo quando a rota de fuga era posteriormente liberada. Eles aprendiam que não tinham controle sobre o ambiente.

Trazendo para a clínica humana e integrando a visão de B.F. Skinner, o pai do Behaviorismo Radical, o desamparo aprendido ocorre quando há uma quebra na contingência entre a resposta (ação) e a consequência. Na vida cotidiana, se você estuda, tira nota boa (reforço). Se você é gentil, recebe um sorriso. Mas, na vida do paciente deprimido em um ambiente invalidante, essa lógica se rompe. Se o indivíduo tenta melhorar e a família critica a lentidão do processo; ou se ele expressa dor e é ignorado, o cérebro aprende uma lição cruel: "não importa o que eu faça, a punição continua". Segundo a análise do comportamento, isso leva à extinção da resposta de enfrentamento. O indivíduo para de tentar não porque não quer viver, mas porque aprendeu que agir não altera o resultado.

3- A neurobiologia da desesperança Quando Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitiva, descreve a visão negativa do futuro, ele está descrevendo o correlato cognitivo desse estado. O paciente pensa: "sempre será assim". E o cérebro confirma. Estudos neurobiológicos recentes, atualizando as teorias de Seligman, sugerem que a passividade é, na verdade, uma resposta padrão do núcleo dorsal da rafe (uma estrutura no tronco cerebral) quando não é inibida.

Imagem do artigo: As correntes invisíveis da desistência

Em um cérebro saudável, o córtex pré-frontal (o centro executivo da razão) detecta que temos controle sobre uma situação e envia sinais para "desligar" a ansiedade e ativar a motivação. No desamparo aprendido, essa comunicação falha. O córtex pré-frontal desiste de modular o sistema de alerta. O resultado é um estado de congelamento biológico. O indivíduo sente-se exausto não por falta de sono, mas porque seu sistema nervoso está preso em um ciclo de alerta máximo sem possibilidade de luta ou fuga.

4 - O peso do tribunal familiar Aqui entra a dimensão social devastadora. Quando a família ou a sociedade cobra "atitude" de alguém em desamparo aprendido, está exigindo que uma pessoa com os "músculos da vontade" atrofiados levante um peso olímpico. Como descrito no DSM-5-TR, fatores ambientais estressores perpetuam o transtorno. Ao jogar os erros na cara do paciente, o ambiente externo valida a crença interna de incompetência. Cria-se um ciclo de retroalimentação: a inércia do paciente irrita a família; a crítica da família aprofunda o desamparo do paciente.

5- A saída é um treinamento, não um salto A boa notícia, sustentada pela ciência, é que se o desamparo pode ser aprendido, o otimismo e a agência também podem. O tratamento não envolve "pensar positivo" de forma mágica, mas sim a ativação comportamental. O objetivo é reexpor o indivíduo, milimetricamente, a situações onde ele possa ter controle e sucesso.

Começamos com tarefas tão pequenas que a falha é impossível, apenas para que o cérebro volte a registrar a conexão entre "eu faço" e "algo muda". A neuroplasticidade nos garante que o cérebro pode remapear essas rotas. Recuperar a vontade de viver não é um ato de inspiração súbita, mas um processo de reeducação neural onde o paciente descobre, passo a passo, que as correntes que o prendiam já não estão mais trancadas.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Aaron T.; ALFORD, Brad A. Depressão: Causas e Tratamento. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.

MAIER, Steven F.; SELIGMAN, Martin E. P. Learned helplessness at fifty: Insights from neuroscience. Psychological Review, v. 123, n. 4, p. 349–367, 2016.

SKINNER, Burrhus Frederic. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974.

SELIGMAN, Martin E. P. Desamparo: Sobre Depressão, Desenvolvimento e Morte. São Paulo: Hucitec, 1977.

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