A ciência por trás da crueldade humana

Como o ambiente e os pensamentos distorcidos constroem comportamentos nocivos

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro, CRP 06/199338

11/12/2025 às 04:29, atualizado em 11/12/2025 às 04:29

Tempo de leitura: 5m

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Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro
Psicólogo
CRP 06/199338 Mogi das Cruzes/SP
Possui vagas para atendimento social

Frequentemente nos perguntamos se a maldade é uma semente que nasce conosco ou um fruto colhido de um solo pobre em afeto e rico em violência. A resposta científica, longe de ser um veredito simples, aponta para uma construção complexa. Não existe um interruptor biológico único que transforma uma pessoa em um agente do caos. O que observamos, na verdade, é uma espécie de engenharia comportamental, um processo onde a biologia interage com a história de vida para modelar ações que ferem o outro. Para compreendermos a engenharia da maldade, precisamos despir o termo de sua carga moral e religiosa e olhá-lo sob a lente fria e analítica da psicologia científica. A arquitetura do comportamento agressivo

Para a Análise Experimental do Comportamento, a maldade não é um traço de personalidade imutável, mas um repertório de ações aprendidas. Como B.F. Skinner detalhou magistralmente em sua obra Ciência e Comportamento Humano, o comportamento é selecionado por suas consequências. Se uma criança agride um colega e, com isso, consegue o brinquedo que desejava, ela recebeu o que chamamos de reforço positivo, que é a adição de um estímulo agradável após uma ação, aumentando a chance de ela se repetir. A agressão, neste cenário, foi funcional. Ela funcionou para o indivíduo obter o que queria.

Skinner argumentava que a sociedade muitas vezes ensina a agressão inadvertidamente. Quando um ambiente é regido pela coerção e pela punição severa, ele gera o que o autor chamou de contra-controle. O indivíduo, para escapar da punição, pode aprender a atacar a fonte da opressão ou a mentir e manipular. A crueldade pode ser, tragicamente, uma estratégia de sobrevivência aprendida em ambientes hostis. O papel das lentes cognitivas

Enquanto o behaviorismo nos mostra como o ambiente molda a ação, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ilumina o palco da mente. Aaron Beck, o pai da TCC, explorou a fundo a hostilidade em seu livro Prisoners of Hate (Prisioneiros do Ódio). Beck postulou que indivíduos que cometem atos cruéis frequentemente operam sob distorções cognitivas, que são erros sistemáticos no processamento de informações.

Imagem do artigo: A ciência por trás da crueldade humana

Uma dessas distorções é o viés de atribuição hostil. A pessoa interpreta ações neutras ou acidentais dos outros como ataques pessoais maliciosos. Se alguém esbarra nela na rua, o pensamento automático não é "foi um acidente", mas sim "ele quer me humilhar". Essa interpretação errônea ativa um sistema de defesa primitivo, preparando o corpo para o ataque. Segundo Beck, a violência muitas vezes surge de uma percepção de vulnerabilidade ou de uma crença rígida de que se tem direitos especiais que foram violados. O "mal" é, muitas vezes, uma tentativa desesperada e desadaptativa de restaurar uma autoimagem fragilizada. Diagnóstico e a realidade clínica

A psicologia e a psiquiatria modernas categorizam esses padrões comportamentais persistentes para facilitar o tratamento e a proteção social. O DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) descreve o Transtorno da Personalidade Antissocial. Este quadro é caracterizado por um padrão de desconsideração e violação dos direitos dos outros, muitas vezes sem remorso. Não se trata apenas de ser "mau", mas de uma falha na capacidade de aderir às normas sociais e de sentir empatia emocional.

Paralelamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS), através da CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), define o Transtorno de Personalidade Dissocial. A ênfase aqui recai sobre a disparidade grosseira entre o comportamento do indivíduo e as normas sociais prevalecentes. A OMS trata a violência também como uma questão de saúde pública, reconhecendo que comportamentos agressivos são contagiosos socialmente e preveníveis.

Embora o foco deste texto não seja a neurobiologia pura, é impossível ignorar que esses comportamentos têm correlatos físicos. Estudos em neurociências indicam que indivíduos com histórico de violência impulsiva podem apresentar hipoatividade no córtex pré-frontal. Esta é a região do cérebro responsável pelo "freio" comportamental, pelo planejamento e pela modulação das emoções geradas na amígdala, o centro de alarme do cérebro. Ou seja, a engenharia da maldade também envolve um sistema de freios biológicos que pode estar desregulado. Conclusão

Entender a engenharia da maldade não significa justificá-la, mas sim abrir caminhos para desmantelá-la. Se a crueldade é, em grande parte, um comportamento aprendido e mantido por reforços ambientais e pensamentos distorcidos, ela pode, em teoria, ser "desaprendida" ou substituída. A neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de formar novas conexões ao longo da vida, nos oferece essa esperança biológica. Intervenções baseadas em evidências podem ensinar regulação emocional, reestruturar crenças hostis e reforçar comportamentos pró-sociais. A ciência nos mostra que, embora a capacidade para o mal faça parte da condição humana, a capacidade para a mudança e a empatia também faz

Referências
 
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, Aaron T. Prisoners of hate: the cognitive basis of anger, hostility, and violence. New York: HarperCollins, 1999.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: CID-11. Genebra: OMS, 2022.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. World report on violence and health. Geneva: WHO, 2002. 

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