Há momentos em que a câmera dentro de nós não consegue revelar o que a vida oferece. A luz está presente, o cenário está ali, mas a imagem não nasce. É como se a lente, a visão que você tem de si, distorcesse a beleza que é verdadeira, guardando em silêncio uma fotografia viva, cheia de cor e brilho.
Às vezes a nossa mente parece cansada e desfocada. Um modelo de uma câmera que a tecnologia já superou, mas continuamos a querer usá-la, teimando na justificativa de que um dia já funcionou e era muito boa. Não paramos para perceber que faz tempo que vivemos em um modo automático, de sobrevivência. E a ironia é que, nesses momentos, tudo parece urgente, mas nada realmente satisfaz. A sensação é de olhar para a vida por meio de uma lente aranhada, antiga, fosca. A imagem fica borrada, mesmo quando a luz está boa.
Troca dia, semana, mês, ano, e estamos querendo capturar as imagens do hoje como foram no passado. São lembranças e dores antigas que permanecem conosco e acabam influenciando como enxergamos o presente. As experiências são novas, mas o filtro impede ver a cena como ela realmente é.
Viver assim pode ser muito desgastante e, por mais que você se esforce, as fotos continuam saindo escuras e tremidas. A vida, nesse estado, parece uma galeria de imagens sem brilho, em que o cansaço ocupa o lugar da beleza e distorce a imagem.
Entrar no seu “quarto escuro interior”. Esse é o espaço para olhar para dentro, de revelar o que estava escondido e de compreender o que tem desfocado a sua lente. Mudanças íntimas não são instantâneas, mas é nesse processo de novidades que surgem possibilidades com mais clareza.
Ajustar o foco é uma necessidade para se tornar o fotógrafo da sua própria vida, naturalmente analógica. Isso envolve cuidar da sua lente, reconhecer a luz e as sombras e escolher o ângulo com mais consciência. Quando isso acontece, as imagens começam a ganhar nitidez e cor. Autenticidade!
A vida não precisa ser uma sequência de fotos borradas. É você quem guia o olhar para o que quer registrar. Ser o fotógrafo da própria vida é assumir a câmera interna com habilidade, encontrando formas de viver pra valer, não apenas de existir.
Fontes e referências
- Beck, J. S. (2020). Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. Artmed.
- van der Kolk, B. (2015). The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. Viking.
- Gilbert, P. (2010). Compassion Focused Therapy: Distinctive Features. Routledge.
- Siegel, D. J. (2010). The Mindful Therapist: A Clinician's Guide to Mindsight and Neural Integration. W. W. Norton & Company.
- Ehlers, A., & Clark, D. M. (2000). A cognitive model of posttraumatic stress disorder. Behaviour Research and Therapy, 38(4), 319–345.
- Porges, S. W. (2011). The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of Emotions, Attachment, Communication, and Self-regulation. W. W. Norton & Company.
Conceitos explicados
- Modo sobrevivência: é o estado em que o corpo e a mente ficam em alerta, como se houvesse uma ameaça constante. É parte da nossa biologia e ajuda em situações de perigo real, mas pode se manter ativado mesmo quando não há risco imediato, causando desgaste.
- Filtros: são memórias emocionais e padrões aprendidos que podem influenciar como interpretamos o presente. Quando muito fortes, esses filtros distorcem a forma de perceber novas situações.
- Quarto escuro: simboliza o processo de autoconhecimento. Assim como na fotografia, onde a revelação acontece no escuro, é olhando para dentro de si que conseguimos revelar nossas emoções e compreender o que estava escondido.
- Foco: é aprender a regular emoções e pensamentos, trazendo mais clareza para a forma de olhar a própria vida. Isso pode ser desenvolvido por meio da psicoterapia e de práticas de atenção plena.
- Ser o fotógrafo da própria vida: significa recuperar a autonomia e o protagonismo, escolhendo de forma consciente como agir, em vez de apenas reagir às circunstâncias.