Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro

Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro

CRP 06/199338 | 6 anos de experiência No Psiconsultório desde fevereiro/2025

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O silêncio que afasta

Entendendo o isolamento como resposta ao trauma e ao luto prolongado

Por Eduardo Brancaglioni Marquetti Lazaro Atualizado em 25/09/2025 7m de leitura

Traumas Psicologia Clínica

Introdução: A porta que se fecha

Quem nunca viveu a dolorosa experiência de ver alguém querido, após um evento traumático ou a perda de uma pessoa amada, simplesmente se afastar? A pessoa para de responder mensagens, evita encontros e constrói um muro de silêncio. Do lado de fora, sentimos confusão, rejeição e impotência. Mas o que acontece do lado de dentro? Este comportamento, que podemos chamar de isolamento traumático, raramente é sobre quem está do lado de fora. Ele é, quase sempre, um complexo e desesperado mecanismo de defesa de quem está sofrendo por dentro.

Este artigo se propõe a abrir uma fresta nessa porta fechada. Com base em referências da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e no DSM-5-TR, vamos explorar por que o trauma e, principalmente, o Transtorno de Luto Prolongado, podem levar uma pessoa a se isolar, não como uma escolha consciente de afastar os outros, mas como uma consequência quase inevitável de uma dor que não encontra lugar no mundo.

O trauma e a necessidade de se fechar para o mundo

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), como descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), é um quadro que pode surgir após a exposição a um evento terrível. A mente fica presa nesse momento, e o mundo externo passa a ser visto como um lugar perigoso e imprevisível.

O isolamento social aparece aqui como um sintoma claro, dentro do que o manual chama de "alterações negativas na cognição e no humor". O texto descreve uma "diminuição acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas" e uma "sensação de distanciamento ou estranhamento em relação aos outros". Em termos simples, a pessoa se sente um peixe fora d'água. Conversas triviais parecem sem sentido, e a alegria alheia pode até mesmo soar como uma ofensa à dor que ela carrega.

A pesquisadora Edna Foa, uma das maiores referências no tratamento do trauma, desenvolveu a Terapia de Exposição Prolongada, uma abordagem que ajuda a pessoa a confrontar as memórias e os gatilhos que ela evita. O isolamento, nesse contexto, é um comportamento de evitação. A pessoa não está apenas evitando lugares ou pessoas; ela está evitando as próprias memórias e sentimentos que o contato social pode despertar.

O foco principal: Quando o luto se torna prolongado

Enquanto o luto é uma resposta natural e saudável à perda, o Transtorno de Luto Prolongado é uma condição recentemente oficializada no DSM-5-TR. Ele ocorre quando, mesmo após um longo período (geralmente mais de um ano), a dor da perda continua intensa, incapacitante e central na vida da pessoa. Ela não consegue se readaptar ao mundo sem quem ou o que perdeu. É aqui que o isolamento se torna uma fortaleza.

Mas por que a pessoa enlutada afasta quem tenta ajudar? Vamos explorar algumas hipóteses:

  • Hipótese 1: A proteção da identidade perdida. Muitas vezes, nossa identidade está entrelaçada com a de quem perdemos. A pessoa pode sentir que interagir socialmente a força a assumir uma nova identidade que ela não quer: a de viúvo(a), a de mãe que perdeu um filho, a de alguém que teve a vida rompida. Isolar-se é uma forma de proteger a memória de quem ela era antes da perda, mantendo viva a dinâmica da relação que se foi.
  • Hipótese 2: O medo de "trair" a memória do que foi perdido. Em um nível profundo e muitas vezes não consciente, a pessoa pode sentir que seguir em frente, sorrir ou criar novas conexões é uma forma de traição. O sofrimento se torna uma prova de amor e lealdade. O isolamento, nesse caso, funciona como uma vigília autoimposta, uma maneira de dizer: "Eu não te esqueci, eu ainda estou aqui com você".
  • Hipótese 3: A exaustão de performar uma normalidade que não existe. Estar com outras pessoas exige um esforço social: sorrir, perguntar como o outro está, fingir interesse. Para quem vive um luto avassalador, essa performance é insuportavelmente exaustiva. O isolamento se torna um alívio, um espaço onde não é preciso fingir que está tudo bem. É um refúgio da pressão social para "superar".

Mecanismos de defesa e paralisia: A mente tentando sobreviver

O isolamento é, em sua essência, um mecanismo de defesa. É uma estratégia, geralmente inconsciente, que a mente usa para se proteger de uma dor insuportável. Em casos mais severos de trauma, isso pode evoluir para a dissociação, um conceito muito estudado por pesquisadores como Christian Haag Kristensen. A dissociação é um tipo de isolamento mental. A pessoa se sente desconectada de si mesma, de suas emoções ou do ambiente ao redor (despersonalização/desrealização), como se assistisse a um filme da própria vida. É o desligamento máximo para não sentir.

Outro fenômeno psicológico crucial que se instala aqui é o Desamparo Aprendido, conceituado pelo psicólogo Martin Seligman. De forma didática, é a crença, desenvolvida após a exposição a eventos negativos incontroláveis, de que não há absolutamente nada que se possa fazer para mudar a própria situação. A pessoa aprende que é impotente. Um evento traumático ou a morte de alguém amado são, por definição, experiências de impotência radical. A pessoa não teve controle sobre o ocorrido.

Essa sensação de falta de controle pode se generalizar para outras áreas da vida. A pessoa passa a acreditar que, assim como não pôde evitar a tragédia, também não tem o poder de aliviar seu sofrimento ou de se reconectar com o mundo. O pensamento subjacente é: "Por que tentar? Nada vai adiantar". O isolamento, portanto, torna-se a manifestação comportamental do desamparo. É a paralisação de quem desistiu de lutar por acreditar que a luta é inútil.

A visão da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

A TCC, consolidada na obra de Judith S. Beck, nos oferece um mapa para entender essa dinâmica. O modelo cognitivo diz que não são os eventos que nos afetam, mas a forma como os interpretamos. No isolamento traumático, alguns pensamentos automáticos podem estar operando:

  • "Ninguém consegue entender a minha dor."
  • "Eu sou um fardo para os outros com a minha tristeza."
  • "O mundo não é mais seguro." (Ligado ao TEPT)
  • "Se eu me permitir sentir alegria, estarei esquecendo quem perdi." (Ligado ao Luto Prolongado)
  • "Não adianta eu sair ou conversar, a dor vai continuar a mesma." (Ligado ao Desamparo Aprendido)

Esses pensamentos geram sentimentos de desesperança, culpa e medo, que, por sua vez, levam ao comportamento de se isolar. A TCC, assim como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) de Steven C. Hayes, trabalha para ajudar a pessoa a identificar esses pensamentos e sentimentos, questionar sua utilidade e, gradualmente, se engajar em ações que, mesmo na presença da dor, a reconectem com seus valores e com a vida.

Conclusão: Como estender a mão a uma porta fechada

Compreender o isolamento como um sintoma de dor profunda, e não como uma rejeição pessoal, é o primeiro e mais crucial passo. A pessoa que se fecha não está dizendo "eu não quero você", mas sim "eu não consigo lidar com o mundo agora".

A pressão para "sair dessa" ou socializar pode ter o efeito contrário, aumentando a culpa e o sentimento de inadequação. A melhor abordagem é a paciência, a validação e a oferta de uma presença silenciosa e sem julgamentos. Pequenas mensagens dizendo "estou pensando em você, sem pressão para responder" podem ser mais eficazes do que convites insistentes.

O caminho de volta para a conexão é lento e precisa ser construído sobre a segurança e o entendimento. E, mais importante, ele geralmente requer ajuda profissional. Se você se identifica com esse comportamento ou conhece alguém que está passando por isso, saiba que terapias baseadas em evidências, como as abordadas aqui, oferecem ferramentas eficazes para processar o trauma e o luto, permitindo que a porta, aos poucos, comece a se abrir novamente.

Fontes e referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2023.

BECK, J. S. Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022.

FOA, E. B.; Hembree, E. A.; Rothbaum, B. O. Terapia de exposição prolongada para TEPT: Manual do terapeuta. Oxford: Oxford University Press, 2007.

HAYDU, V. B. Análise do Comportamento: Aplicações Clínicas e Sociais. Londrina: UEL, 2018.

HAYES, S. C.; Strosahl, K. D.; Wilson, K. G. Learning ACT: An acceptance & commitment therapy skills-training manual for therapists. Oakland: Context Press, 2011.

KRISTENSEN, C. H.; Pavan-Cândido, C.; Kich, H. A. Dissociação e trauma: uma revisão da literatura. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 23, n. 2, p. 217-224, 2007.

SELIGMAN, M. E. P. Helplessness: On Depression, Development, and Death. San Francisco: W. H. Freeman, 1975.

TRANSTORNO do estresse pós-traumático. BMJ Best Practice. Disponível em: https://bestpractice.bmj.com. Acesso em: 25 set. 2025.

Artigos diversos. Brazilian Journal of Psychiatry. São Paulo: Associação Brasileira de Psiquiatria.

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